🔓 A arte de driblar destinos

Trecho do romance inédito de Celso José da Costa
Celso Costa, autor de “A arte de driblar destinos”
01/01/2023

Capítulo 11: O faquir sertanejo

Eram quase cinco horas da tarde, momentos de suspense diante da cova, em minutos iria começar o desenterro do Faquir. Eu estava ao lado de meu pai, junto também Urias e Barril. Meu pai trazia um revólver por dentro da camisa; em casa eu tinha percebido seus movimentos preventivos. Mamãe e Martinha não vieram testemunhar o acontecimento, não aprovavam aquela encenação, achavam um despropósito a prefeitura gastar dinheiro com essa barbaridade.

Na hora marcada começou a delicada e demorada operação de retirar a terra com as ferramentas sem macular o caixão e, depois, com ajuda de cordas, alçá-lo à borda do buraco. Nenhum ruído vinha de dentro do esquife e era chegado o momento de suspense máximo: a abertura do caixão. A consternação foi geral. Lá estava o homem morto. O corpo estendido de bruços foi saudado por murmúrios doloridos. “Ele se debateu antes de morrer”, alguém comentou. “Pobre homem, foi abandonado por São Lázaro e Jesus Cristo”, outra voz pranteava. Não era o desfecho desejado!

Mas o corpo de bruços e inerte durante longos segundos era uma técnica de suspense, fazia parte da encenação. Pois, vencido esse tempo eterno de consternação, o faquir se virou e sentou-se dentro do caixão, espichou a espinha, estirou os braços e puxou fundo uma golfada de ar, durante quase um minuto, como se estivesse recuperando para o corpo todo o ar exaurido embaixo da terra. Um suspiro geral de espanto escapou das gargantas. Após a respiração primal, recuperado, o faquir soltou um exagerado bocejo, encerrando, enfim, o sono hibernal de vinte e quatro horas. Manifestando o desejo de matar a sede, tomou o rumo do bar do Sendão, levando atrás de si a multidão, como se entoasse uma melodia encantada numa flauta invisível. Depois, com os cotovelos apoiados no balcão e sorvendo uns goles de guaraná, a quem perguntava do seu estado reclamava de uma leve enxaqueca, aliás prejudicada pela claridade que lhe machucava os olhos, apesar da mansidão da luz naquele fim de tarde.

Celso José da Costa

É matemático e escritor. Com o romance A arte de driblar destinos venceu o prêmio LeYa 2021.

Rascunho