Se não anoto, me aniquilo

Cida Pedrosa: “Tenho surtos criativos e nestes momentos fico ligada, pronta para a presa, em estado de palavra”
Cida Pedrosa, autora de “Solo para vialejo”
26/11/2020

Para a poeta pernambucana Cida Pedrosa – que acaba de vencer o prêmio Jabuti 2020, nas categorias Poesia e Livro do Ano, por Solo para vialejo –, o melhor verso é aquele que sai durante uma reunião chata. Autora de dez livros de poesia, Cida participa ativamente da vida cultural de seu estado natal desde os anos 1980, quando fez parte da coordenação do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco. Não à toa, esse gênero literário é imprescindível no seu dia a dia. Solo para vialejo (2019), Gris (2018) e Claranã (2015), que flerta com os modelos clássicos do cordel e do repente e foi semifinalista do Prêmio Oceanos, são algumas de suas obras publicadas. Seu trabalho mais recente é Estesia (2020), lançado em e-book.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Quando as palavras não cabiam mais dentro da minha cabeça.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Tenho surtos criativos e nestes momentos fico ligada, pronta para a presa, em estado de palavra. Tenho dificuldade para dormir, acordo contando sílabas, durmo cantando versos, anoto, e se não anoto, me aniquilo.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Poesia.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Eu não recomendo nada para este senhor. Apenas luto para que ele e seu projeto fascista desapareçam.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Quando gozo férias, sinto o frio e a bruma de Gravatá e de Bonito, mas é raro.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Como ocupo pouco a minha rede, leio muito em salas de espera de médico, aeroporto… ou nos traslados terrestres e aéreos.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando anoto um verso na agenda, bem no meio daquela reunião chata.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Quando leio o livro anos depois e continuo gostando.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
Fechar-se para a escuta.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire”.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
O meu filho Francisco Pedrosa.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Muitos são imprescindíveis, mas nomino por paixão e obsessão Poema sujo, de Ferreira Gullar, Bagagem, de Adélia Prado, e Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez. Sim, nunca lembro o que é descartável!

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Quando a(o) autora(o) se apega ao já escrito e perde a capacidade de rasgar, cortar, jogar fora.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não sei, acho que todos os assuntos podem servir de mote.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
O silêncio da caatinga no meio da seca.

• Quando a inspiração não vem…
Eu vivo!

• Que escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Ana Cristina Cesar, só para abraçá-la e dizer que vai passar.

• O que é um bom leitor?
O que consegue ler o poema com sua própria voz e contar a história com sua própria fala.

• O que te dá medo?
Quando o Brasil e o mundo flertam com o obscurantismo.

• O que te faz feliz?
Pegar a estrada rumo ao sertão, ouvir a chuva, cozinhar macarrão com camarão para meu companheiro e meus filhos, lavar prato, ouvir blues… tanta coisa… Sou um ser afeito à felicidade.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Todas as dúvidas e talvez, por isso, me prostre aos pés da palavra.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Sou disléxica e quero ver o livro lido em voz baixa ou alta por qualquer pessoa.

• A literatura tem alguma obrigação?
A minha tem função social.

• Qual o limite da ficção?
Não há limites para uma boa história.

• Se um ET aparecesse em sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Como Rosa de Luxemburgo morreu, eu o levaria a Angela Davis.

• O que você espera da eternidade?
Ir para o céu dos encantados e tomar uma tequila com Frida Kahlo.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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