Poemas de Rodrigo Garcia Lopes

Leia os poemas "Guarujá salem", "Matrix" e "Solilóquio"
08/02/2015

GUARUJÁ SALEM

linchada por um boato
numa tarde de sábado
mundo-barbárie

fabiane

ainda ergue a cabeça
para um último olhar
à multidão de agressores

filmando com celulares
e smartphones

…..

MATRIX

Chegou tenso e tomou um Xanax.
Na secretária a mensagem da ex,
No quarto da filha um céu de starfix,
Agora crescida trabalha na Fox.
Em casa só usava sabonete Lux.

Seu verdadeiro nome era Max,
Quando nasceu não existia telex.
Cortaram sua Megapix, sua Netflix.
Gerente num China in Box
Deve grana preta pra Electrolux.

Torcedor fanático do Ajax,
Acha que a vida é um gibi do Tex.
Nunca ouviu falar da deusa Nix.
Bebe, bate a cabeça no box
Sem devolver Apocalypse Now Redux.

…..

SOLILÓQUIO

Querido pensamento,
nunca fomos tão nós
quando estivemos a sós
no instante de seu advento.

Foi pouco, me lembro,
sua face, de relance:
mas como estar, inteiro,
em dois lugares
ao mesmo tempo?

Simples.
Sempre estivemos a sós.
Pensar é o nome desse osso.
Corpo a seu lado, quente a nuca,
mas a mente, aqui quase nunca,
sempre em algum lugar do passado,
em hokkaido, almeria, terra do fogo.

Viajo a seu lado, parado.
Todos os sítios são este.
Mesmo olhos nos olhos
sou cego aos seus pensamentos
e você aos meus.
Mútuo degredo.
Tateio o mundo em transe
sem poder sair da cabeça.
Nutro um segredo.
Estou no topo de mim,
no exílio, quem sabe.

Então, de novo, sozinhos,
quando menos se espera,
aliviados, percebemos:
outros nos habitam.

Solidão, sólida e real,
e a consciência
o nome dessa experiência, dessa demência,
o nome dessa conversa que levamos conosco
o tempo todo

Rodrigo Garcia Lopes

Nasceu em 1965, em Londrina (PR). É poeta, romancista e compositor. Também é tradutor, tendo vertido para o português obras de escritores como Sylvia Plath e Arthur Rimbaud. É autor, entre outros, de O enigma das ondas.

Rascunho