Poemas de Eunice de Souza

Leia os poemas traduzidos "Doce adolescência", "Fragmento de conversa", "Mulheres em pinturas holandesas", "Prabhu de Souza", "Não tente encontrar minha vida nestes poemas" e "Para a filha de Rita, recém-nascida."
Ilustrações: Marcelo Frazão
01/07/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Sweet sixteen

Well, you can’t say
they didn’t’ try.
Mamas never mentioned menses.
A nun screamed: you vulgar girl
don’t say brassieres
say bracelets.
She pinned paper sleeves
onto our sleeveless dresses.
The preacher thundered:
Never go with a man alone
Never alone
and even if you are engaged
only passionless kisses.

At sixteen, Phoebe asked me:
Can it happen when you’re in a dance hall
I mean, you know what,
getting preggers and all that, when
you’re dancing?
I, sixteen, assured her
you could.

Doce adolescência

Bem, você não vai dizer
que eles não tentaram.
Mamães nunca falavam de menstruação.
Uma freira gritou: sua garota vulgar
não diga sutiãs
diga pulseiras.
Ela prendeu mangas de papel
em nossos vestidos sem mangas.
O padre trovejou:
Jamais saia sozinha com um homem
Jamais sozinha
e mesmo se você estiver noiva
apenas beijos sem paixão.

Aos dezesseis anos, Phoebe me perguntou:
pode acontecer quando você, num baile
quer dizer, você sabe,
de engravidar, essas coisas, quando
está dançando?
Eu, com dezesseis anos, assegurei a ela
que sim.

Conversation piece

My Portuguese-bred aunt
picked up a clay shivalingam
one day and said:
Is this an ashtray?
No, said the salesman,
This is our god.

Fragmento de conversa

Minha tia, criada em Portugal,
um dia pegou um shiva lingam
de cerâmica e perguntou:
Isto é um cinzeiro?
Não, respondeu o vendedor,
Este é o nosso deus.

Women in Dutch painting

The afternoon sun is on their faces.
they are calm, not stupid,
pregnant, not bovine.
I know women like that
and not just in paintings—
an aunt who did not answer her husband back
not because she was plain
and Anna who writes poems
and hopes her avocado stones
will sprout in the kitchen.
Her voice is oatmeal and honey.

Mulheres em pinturas holandesas

O sol da tarde em seus rostos.
estão calmas, não são idiotas,
grávidas, não são bovinas.
Conheço mulheres assim
e não apenas em pinturas —
uma tia que não contestava o marido
não por ser simplória
e Anna que escreve poemas
e espera que seus caroços de abacate
brotem na cozinha.
Sua voz é aveia e mel.

De Souza Prabhu

No, I’m not going to
delve deep down and discover
I’m really de Souza Prabhu
even if Prabhu was no fool
and got the best of both worlds.
(Catholic Brahmin !
I can hear his fat chuckle still.)

No matter that
my name is Greek
my surname Portuguese
my language alien.
There are ways
of belonging.

I belong with the lame ducks.

I heard it said
my parents wanted a boy.
I’ve done my best to qualify.
I hid the bloodstains
on my clothes
and let my breasts sag.
Words the weapon
to crucify.

Prabhu de Souza

Não, não vou
mergulhar fundo e descobrir
que sou mesmo Prabhu de Souza,
mesmo que Prabhu não fosse bobo
e tenha tirado vantagem dos dois mundos.
(Brâmane católico!
Ainda ouço sua grande gargalhada.)
Não importa que
meu nome seja grego,
meu sobrenome, português,
minha língua, estrangeira.
Existem muitas maneiras
de pertencer.
Eu pertenço aos patinhos feios.
Ouvi dizer
que meus pais queriam um menino.
Fiz o possível para me adequar.
Escondi as manchas de sangue
nas minhas roupas
e deixei meus seios despencarem.
Palavras são armas
para crucificar.

….

Don’t look for my life in these poems

Poems haver order, sanity
aesthetic distance from debris.
All I’ve learnt from pain
I always knew,
but could not do.

Não tente encontrar minha vida nestes poemas

Poemas têm ordem, sanidade,
distância estética dos escombros.
Tudo o que aprendi com a dor,
eu sempre soube,
mas não pude fazer.

For Rita’s daughter, just born

Luminous new leaf
May the sun riser gently
on your unfurling

in the courtyard always linger
the smell of earth after rain

the stone of these steps
stay cool and old

gods in the niches
old brass on the wall

never the shrill cry of kites

Para a filha de Rita, recém-nascida.

Folha nova luminosa
Que o sol nasça suave
sobre seu desabrochar

no quintal permaneça sempre
o cheiro de terra depois da chuva

que a pedra destes degraus
mantenha-se fresca e antiga

deuses nos oratórios
bronze velho na parede

e nunca o grito estridente dos gaviões

Eunice de Souza
Nasceu em Pune (Índia), em 1940. Foi a mais absoluta representação do mundo globalizado nascido da expansão europeia a partir do século 16. Nascida na Índia, de família originária da cidadela de Goa (que foi portuguesa entre 1510 e 1961), e tendo estudado em universidades nos Estados Unidos, ela misturava influências hindus, portuguesas e norte-americanas. Escrevia em inglês, e sua poesia era de estilo fortemente confessional, com ecos, por exemplo, de Sylvia Plath e Anne Sexton. Morreu em Mumbai (Índia), em 2017.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhasCemitérios, Exílio, entre outros.

Rascunho