Poemas de Ana Maria Vasconcelos

Leia os poemas "Amanda", "Borges" e "Nathaly"
Ana Maria Vasconcelos, autora de “Grão”
01/07/2021

Amanda

Havíamos combinado,
em meio à erosão das bússolas,
sentar os copos no ponto exato
do deserto onde os
destroços
não se davam na altura dos cílios
mas um pouco abaixo,
menos empilhados

de modo que pudéssemos ver
além —
no limite desse mapa já gasto
— o passado
ali quando a tempestade de areia não terá alcançado
ainda
os vivos
ainda vivos

Enquanto nossos vidros
ainda vidros,
num brinde.

Borges

(“as coisas fazem cócegas nos nossos olhos”,
disse o eucanaã; e quem dirá o que os seus
cílios
atiçam na pele das coisas?)

esférica: a coisa
ribomba, acende
soa
entre o queixo e o juízo
de repente há essa vista
larga, desabotoa
um precipício, brota
um rastro
você, elíptico,
inventa — um cacho —
abraça, esplende
(luz é som,
são formas equivalentes
de mergulhar),
rui,

gosta.

Nathaly

é válido não pensar no
horror
dos cadáveres, dos pulmões encharcados, das gargantas empaladas,
dos futuros corpos na fila de espera
boiando aos milhares num ano que não tem nome
vinte vinte
ano zero
sem meses, é o mesmo
dia
de solidão e luto
(solitário também)

é válido, neste cemitério de horas,
(é a mesma, ali mais escura, depois mais clara)
conjurar a vertigem
em brasa
(um pôr do sol doendo uma moeda)
dos espelhos baratos que avizinham cítricos os nossos reflexos
(lamber a superfície gelada e saber

quanto tempo ainda)
é válido dizer, em meio à peste,
— arde!
e então a queda
um golpe
uma fruta madura.

Ana Maria Vasconcelos

Nasceu em Maceió (AL), em 1988. Escreve, ensina e pesquisa literatura e outras artes. Publicou Grão (2014) pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos, além de poemas em revistas como mallarmargens, Germina e A Bacana.

Rascunho