Estrada de ferro

Leia o poema "Estrada de ferro" de Juliana Galvão
Ilustração: FP Rodrigues
01/07/2025

trilhos metálicos
dormentes sobre pedras
rodas siderúrgicas
{o cobre} Amilcar de Castro e Tomie Ohtake

rota retilínea serpenteia
as estações
da infância e da velhice
a vida passa
ao longo das paradas

uma amoreira
um dia inteiro
a espera

o tempo de relógio em sentido horário
encontra atrasado
o tempo da jaqueira
dois cães brincam embaixo do escolar
o tronco caído é o raio
da madrugada
estrondo em luz e morte
ao que o casal naquela casa
se olha nos olhos
lá longe

tantos vagões
formam uma composição
a vaca e o bezerrinho correm
morro acima
o pasto!
pro meio do pasto
gentes inspiram de encher os pulmões
devolvem ar à pele verde
o cão late pra chave perdida
na praça, o chaveiro cheira a humana
que vai no trem
e dali acena
pras amoras madurinhas

o cabo de alta tensão
é mítica também
e conduz

o grafite e o papel
já são quase excêntricos
neste trecho faz sol
e ainda tem amor
ferrovia

desata a lembrança
da beira doce
rever o último tio
e então se saber de vez

chega num ponto em que
não poderia trair
outra pessoa
senão ela própria
desfaz tudo
esse vagar desta
máquina do tempo
revoada nuvem ascendência
próxima parada
Resplendor

Juliana Galvão

Nasceu, em 1976, e cresceu no interior de Minas Gerais, onde vivem as lembranças de sua infância e adolescência. Estudou  Letras na UFMG e fez mestrado em Estudos Literários na UFES. É autora dos livros Pedraria (poesia, Patuá), Pé de pipa (narrativa por imagem, Crivo Editorial) e organizadora da antologia O mínimo imenso,  contos de João Anzanello Carrascoza (Autêntica).

Rascunho