Poemas de Ângela Vilma

Leia os poemas "Balada dos infelizes", "Minha Santa Cecília" e "Invejo os fantasmas" de Ângela Vilma
Ângela Vilma, autora de “Poemas Para Antonio”
30/09/2019

Balada dos infelizes

Porque nós, os infelizes, faremos uma festa.
Uma balada dessa de ritmar a alma de flores
estranhas. Nós, os infelizes, romperemos a praça,
o mundo, e gritaremos as dores
que se penduram em nossa alma.

Nós, os infelizes, somos poucos? Somos muitos?
Formaremos um bloco, um grupo, um dueto?
E os felizes? O que irão fazer? Interromper a nossa dor?
Chamar a polícia para deter esse grupo que se formou
bem antes de qualquer exercício de solidão?

Enfrentaremos o batalhão, as metralhadoras, os canhões.
Nós, os infelizes, não participamos de nenhum partido,
não temos qualquer motivação. Somos ervas esquecidas
que todos pisam. Somos pedras
aquecidas, através de séculos, por pés inchados:

filhos de Édipo, o maior dos infelizes,
andando por aí com os olhos furados.

Com os olhos furados, enxergando profundamente
o trágico: a garantia de ver a própria infelicidade.
E esta não tem ruídos, é calada, é silenciosa
como as formigas mortas sem motivo algum,
num átimo. Mas nós, os infelizes, não morreremos.

Minha Santa Cecília

Minha Santa Cecília,
povoai o crânio de quem amanhece
com a alma escapada da poesia!
Dai-me, Santa Cecília,
teu cajado emprestado
para eu pastorear minhas nuvens
levando-as para bem longe…
Ah minha Santa Cecília,
descei de onde estás e aquece
esses versos sem paradeiro certo
esses versos de sons quebrados
esses versos feios e malfeitos.
Adornai, minha Santa
a alma de plantas e palavras.
E quando eu acordar bem cedo
soprai para mim duas vezes
o mais leve segredo.

Invejo os fantasmas

Invejo os fantasmas, que atravessam
o sólido, o cimento, a parede;
que vivem melhores do que nós
sem essa sede, ansiedade, doença
perversa das seis horas da tarde.
Invejo-os, em suas roupas brancas
às vezes assombrando os viventes
Morando em sobrados, ruelas,
becos; condenados ao anonimato
da visibilidade.

Ah, como os invejo!
Soltos que estão no éter, zombando
de nós, fazendo festa em nuvem e sol.
Demiurgos de si mesmos
estão aqui e ali, e não estão!
Espadachins alucinados, pierrôs
fora de época,
columbinas de mil séculos
dançando e vagando, inúteis
inúteis, inúteis.

 

Ângela Vilma

Nasceu em Andaraí (BA), em 1967. Publicou, entre outros livros, Poemas para Antonio (2010), A solidão mais funda (2016) e sua dissertação de mestrado (UFPE), A tessitura humana da Palavra: Herberto Sales, contista (2004)É professora adjunta em Teoria da Literatura na UFRB.

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