Maestro Zuca e sua trupe

Leia a entrevista com Zuca Sardan
Zuca Sardan, autor de “Ás de colete”
01/12/2013

“A Vaca Inglesa babando/ no sininho… o Urso Branco/ que te quero branco/ duma alvura… polar…/ FOOOORAAAAAAA/ POETA DE MERDAAA!!!” Pois bem, na poesia de Zuca Sardan não há espaço para convenções e grandiloquência — quando não são os personagens e o próprio poeta expulsos. Arquiteto de formação, com carreira na diplomacia, o poeta e desenhista carioca, nascido em 1933, sempre foi avesso ao bom-mocismo e desconfiado das tradições. Assim que, no início de sua produção, na década de 1950, a solução para se fazer publicar era através de folhetos e livros produzidos por conta própria, e que contabilizam a maior parte de sua obra: “a Inteligência era ou mais engajada, ou mais carrancuda, em todo caso sublime, e não estava a fim de aturar minhas graçolas”, se queixa. Os anos 1970 trouxeram certo reconhecimento ao poeta, que se encaixou como uma luva numa geração que já era a sua décadas antes: a geração marginal, que trabalhava com temas e métodos de publicação semelhantes aos de Sardan.

De lá para cá, vieram a público obras como Osso do coração (Unicamp, 1993), Ás de colete (Unicamp, 1994) e Babylon (Companhia das Letras, 2004), chegando, em 2013, a Ximerix (Cosac Naify). Neste último, encontramos o humor, o surrealismo, a predileção por certos arcaísmos e preciosismos, colagens, desenhos e personagens que já perambularam anteriormente em seus poemas: aí está a trupe e a danada da poesia em que Zuca procura botar ordem — mas não muita, porque o Acaso, neste espetáculo, é Rei em conluio com o Humor. E o leitor que se prepare, pois se rimos durante sua leitura, Ximerix traz como efeito colateral a incômoda sensação de que estamos rindo de nós mesmos: voilà o grande humor não tem validade e dá um olé na Posteridade.

Nesta conversa, realizada via e-mail, Zuca Sardan, que atualmente reside em Hamburgo, na Alemanha, fala sobre sua trajetória e seu processo de composição, discute o humor e a crítica, essenciais para sua poesia, e nos brinda com algumas “figurinhinhas”.

Ilustrações: Zuca Sardan
Ilustração: Zuca Sardan

Chacal diz que seu trabalho “é o oposto da poesia besta que aspira ao sublime”. A que sua poesia aspira?
Boa pergunta, Yasmin… As perguntas boas são as mais difíceis… Eu não sei exatamente a que minha Poesia aspira… Em todo caso, nada de sublime… Ela é essencialmente marcada pelo humor, acha graça de tudo — a começar de mim, que ela gosta de provocar… Está sempre inventando outras coisas sem me prevenir… E eu na expectativa do que vem por aí… 

É o acaso, então, que marca seu processo criativo num momento inicial? O que gera um poema?
O Acaso, exatamente!!!, é a chispa que desencadeia o processo criativo. E não há poema sem o acaso, não. O poeta precisa estar atento, de antenas acesas pra captar o Acaso, quase invisível, sempre querendo s’esconder.

Com o lançamento neste ano de Ximerix (seu livro anterior é Babylon, de 2004), falou-se muito sobre “a volta” de Zuca Sardan. Em que medida este foi um retorno para o senhor?
Ximerix foi pra mim um retorno, primeiro porque desde Babylon não tive grandes chances de ser publicado; e segundo porque Babylon não era poesia, seria mais uma espécie de teatrinho de fábulas. Nele apresento, é verdade, umas fábulas poéticas dialogadas. Mas a rigor, romance, conto e novela nunca me interessaram. Ora, eu sou essencialmente poeta, e meu anterior livro de poesia, Ás de colete (Unicamp), é de 1994, ou seja, publicado há já quase vinte anos.

• Se a publicação em livro é espaçada, como é seu processo de escrita?
Publicação espaçada por conta de editoras. E processo de escrita contínuo por minha conta, não só em novas experiências, mas também em permanente reciclagem de manuscritos antigos. Assim, uma poesia que eu apronte hoje pode já ter mais de trinta anos de sucessivas reciclagens.

• E como sabe que um poema está pronto, que não são necessárias mais reciclagens?
O poema está pronto quando as novas reciclagens não funcionam.

• Qual é o seu critério para publicar? Pode-se pensar que ele é diferente hoje e que o processo é mais lento, já que o senhor publica seus livros através de editoras, e não mais em edições artesanais (espécie de autopublicação). No que essa mudança de processo afeta a poesia?
Eu sempre, desde os anos 1950, havia desejado ser editado, mas as editoras não estavam interessadas em me editar. A Inteligência era ou mais engajada, ou mais carrancuda, em todo o caso sublime, e não estava a fim de aturar minhas graçolas. Daí passei eu mesmo a fazer meus folhetos mimeografados. Só nos anos 1970, com a geração marginal, minha arte galhofa passou a ser mais considerada. Salve Ximerix! Até que enfim…

Quais os cuidados que se deve ter na autopublicação? E como o senhor avalia a importância do editor?
O autor constrangido a se autopublicar, ou, em caso mais extremo, de escrever sem outro leitor que ele próprio, deve soberana e voluntariamente decidir que está escrevendo pro Mundo… embora tal não pareça… Se não se sentir ligado por algum fio misterioso ao Mundo, seja do Passado, seja do Futuro, que sentido poderá haver pra que continue a escrever? Moscas não são boas leitoras (mas não são das piores)… Quanto ao editor, quando ama a literatura e defende o que considera bom, mesmo sem qualquer apoio crítico ou público, ele vale tantíssimo quanto o autor. Estamos atravessando um período de fulminantes transformações, que lançam um desafio crucial ao autor e… ao editor.

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Ilustração: Zuca Sardan

O senhor acaba de publicar um livro que conserva não só o seu estilo, mas que plástica e graficamente se assemelha muito às edições da década de 1970, aos seus folhetins. Por que esta opção, quase uma homenagem à poesia marginal?
Meus personagens são mais teimosos que orixás (vai ver, são mesmo), nunca me largam. O Circo Pery não pode parar.

• Em Ximerix há um diálogo, quase uma narrativa, entre poemas e imagens de um mesmo “caderno”, e entre esses cadernos. Pode-se pensar em pequenas histórias, construídas a partir de uma sucessão de cenas e personagens — flashes a narrar de forma diferente, brincando com as palavras, um único evento, alternando, às vezes, os mesmos versos, somente trocando-os de lugar. Como o senhor pensa/constrói um livro de poesia?
Escrevo de monóculo e pluma de urutau. Construo meus livros de poesia com humor pataphysico, Circo Pery e Theatro Morfeu, procurando me divertir com meus próprios fantasmas, obsessões, gralhas, remorsos e escorpiões. A vida é curta e nunca se sabe… É preciso aproveitar e… dar um jeitinho de sempre s’escapar da renitente e insinuante Porta do Inferno. Plutone também usa monóculo, e comanda o irresistível Cabaret Grenat.

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Ilustração: Zuca Sardan

A crítica afirma que o senhor conserva este humor, a sátira e a irreverência que vem praticando desde os anos 1950. Assim, parece que o poeta Zuca Sardan nasceu desse jeito. O senhor não chegou a ter uma visão mais romântica da poesia ou um posicionamento menos “ácido” em relação à vida? Qual era seu interesse ou objetivo no início?
Meu objetivo do início era ser um poeta romântico engajado. Mas o Humor botou água na fervura.

• Justamente: da barata à nobreza, do poeta à lógica, seus poemas riem de todos; e os poemas em si brincam com sua própria efemeridade e finitude, propondo até mesmo um jogo de dados. O que importa, então, se o ser humano e a vida são risíveis?
Sem humor, a vida é um saco sublime. Pra ser humano é preciso saber rir. Não bestamente rir como os parvos… mas… saber rir. Pra saber rir é preciso Humor. E Humor é quando… MALGRADO… se ri, conforme diz Dante (ou Totó?). Humanismo sério… é pro Purgatório de Catão de Utica. O Humor é rebelde não só em relação ao mundo exterior, mas também em relação à consciência do próprio humorista. Isto libera o humorista de fixação em seus próprios ideais. O que é a Consciência? É algum modelo de comportamento ideal que eu mesmo me crio? Ou é algo que a sociedade generosamente me oferece? Ou é a voz do Divino em meu foro mais íntimo? Sou obrigado a aceitar a Consciência sem julgá-la ou a estarei traindo, e me estarei traindo a mim próprio. Serei então trucidado pelo remorso. Só o Humor, que não me obedece, ousa contradizer a Consciência sem traí-la. Assim como havia o Bobo do Rei, assim também a Consciência, pra ser perfeita Soberana, precisa de seu Bobo. O humor é o Palhaço da Consciência.

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Ilustração: Zuca Sardan

Recentemente, o senhor afirmou que “O poeta tem que ser rebelde, contra tudo. Eu sinto que tenho que me rebelar para manter minha liberdade interna” e, em relação à geração de poetas marginais, que “Nossa linguagem era de rebeldia contra idéias impostas pela sociedade”. Atualmente, o senhor se rebela contra algo em especial?
Rebelo-me contra tudo, por exemplo: contra a educação técnico-científica que esquece as belas lições do Lyceo Pytanga de arte e cortesia; contra o comércio globalizante das artes plásticas que inventou pintores desinformados e grosseirões; contra a porno-baixaria mediatizada que acabou com o erotismo refinado; contra a domesticação das massas mediante slogans sublimantes — não fume, condenemos as bombas atômicas do Saddam Hussein, defendamos os direitos humanos de pedófilos assassinos pra que possam ser libertos rapidamente pra comer e matar novas criancinhas, mas condenemos o Beliscone que comeu mas deu presente caríssimo pruma mocinha ingênua de Marrakesh; perdoemos Lady Dolly, ela pode dar pra quem quiser, mas o Prince Chester não pode comer sua Dama do Chapéu Grande; Rainha Lucy deve viver até os 120 pro Chester nunca ser Rei —, sou contra o endoutrinamento e tentativa de imposição coletiva dos princípios da democracia liberal-capitalista (a social-marxista felizmente furou o pneu) para todos os países e civilizações, eles têm que aprender conosco; sou contra a pasteurização totalitária de bons sentimentos pregados pela ONU e martelados pelo Tribunal das Lambadas da Haia, dos islamistas fanáticos, do bom samaritano e outros fanáticos demagogos idealistas ou materialistas de todas as cores e matizes. Acho melhor eu parar por aí…

• E de que forma é possível incorporar essa rebeldia à poesia?
A esgrenhada rebeldia do Zuca é a principal mola de ativação de minha poesia.

• O senhor acompanha os acontecimentos, mudanças e mesmices do mundo com um posicionamento crítico em relação a ele — isso se lê não só acima, mas também em seus poemas. Por outro lado — ou talvez por isso mesmo —, chama atenção alguns anacronismos, preciosismos em sua poesia, da escolha de vocabulário aos personagens criados: ao mesmo tempo em que parecem não ter relação com o mundo de hoje, são elementos que o senhor usa para cutucá-lo. Como esta característica foi surgindo?
Um processo misterioso pra mim mesmo. Uma atração obsessional pela orthographia archaica, pelo estylo art-nouveau, pelos anachronismos… e que me vem já da infância… Fui leitor do Tico-Tico e do Thesouro da Juventude. Era um humor sério, completamente diferente do humor óbvio… diria um Humor de Segundo Grau, que às vezes escapa à percepção do próprio autor… Este Humor, vim a descobri-lo como um sistema, praticado por Alfred Jarry, o fundador da Pathaphysica, escritor que teve decisiva importância na minha formação.

Sua “rebeldia” e “irreverência” são citadas como aspectos que o teriam relegado a um lugar de menor destaque. O senhor concorda? Por outro lado, estes são ingredientes que faltam à poesia contemporânea?
Acho que sim: os politicamente corretos me condenam, mas a poesia precisa ser rebelde e irreverente pra flagrar o bom-mocismo de empenho civil e seriedade perua-fina-bunda-seca da arte e da sociedade que não me vê com bons olhos… Mas já estou acostumado a ser marginal e vou levando pela sombra. Parece que ultimamente a oposição dos justos diminuiu… aí está Ximerix pra surpresa da elite pó-de-arroz. A rebeldia e a irreverência hoje têm mais partidários. Sem humor, a vida é duma atroz obviedade.

A função da literatura é então de criticar a sociedade? É isso o que o senhor busca no poema, enquanto leitor e autor?
Sim, esta é uma das primordiais funções da arte. O Artista é um hiper-sensível que percebe o automatismo da opinião pública e procura alertar a sociedade pra que não seja condicionada qual as ovelhas de Panurge… As massas fanatizadas por tiranos, como foi o caso dos alemães, toda uma Nação mesmerizada por um psicopata, Hitler; e o caso dos russos (e comunistas do mundo inteiro) fanatizados por Stálin propiciaram genocídios e variadas atrocidades, com milhões de vítimas. Nossa atualidade oferece avanços técnico-psicológicos que, se utilizados na ciência de manipulação do imaginário das massas, poderão proporcionar colossais lucros comerciais, ou então… serem utilizados pra fins mais perigosos.

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Ilustrações: Zuca Sardan

Na década de 1970, quando a poesia tinha fama de rebelde, dois de seus alvos (da poesia em geral) eram a ditadura e a sociedade, num momento em que esta passava por fortes transformações de costumes. Hoje parece não haver um alvo certo contra o qual se rebelar, mas o mundo passou por mudanças de valores e costumes em relação há quarenta anos. O fato de sua poesia soar tão atual — apesar de seus personagens serem condes ou o comunismo, e sua forma e linguagem serem intencionalmente anacrônicas, muitas vezes — mostra que o mundo não mudou tanto assim?
Pelo contrário… O mundo no século 21 mudou subitamente dum modo radical e irreversível. Basta olhar fotos de ruas e pessoas antes do fim da Primeira Grande Guerra… bondes puxados a cavalo, o Kaiser com elmo de plumas, Toulouse Lautrec de cartola no Moulin Rouge, nosso Imperador de barbas no landau… e a Ciência garantindo o progresso das ciências a bem da Humanidade. E inventam e soltam em 1945 a Bomba Atômica, em sintonia com a carnificina globalizada ao longo de todo o século 20 até seus últimos dias, com o atentado de 9 setembro de 2001… Esvaneceram-se, à porta de entrada do século 21, as belas idéias do Coelho da Páscoa de ciência e tecnologia a bem da Humanidade… Pior ainda… ciência e tecnologia desembestaram numa tal aceleração que perdemos totalmente o controle de seus possíveis desenvolvimentos que poderão ser utilizados pruma destruição muito mais traiçoeira e poderosa do que tudo o que hoje possamos imaginar. Os Pangarés do Apocalipse…

Em uma entrevista ao crítico Marcelo Pen, o senhor afirma que “Não nos belos acertos, mas sim nos erros desgrenhados, nas Gralhas, é que o Poeta finalmente se descobre”. Como foi o seu processo de amadurecimento?
Justamente quando comecei a descobrir as minhas gralhas… colossais. Primeiro pensava morrer de vergonha… mas enfim me dei conta de que a descoberta das gralhas era a descoberta de que eu estava progredindo, justamente porque passei a descobri-las.

Em algum momento a dificuldade de publicação, o desinteresse das editoras e as Gralhas geraram dúvidas sobre a poesia?
Nunca!!! Sou de uma atroz teimosia.

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Ilustração: Zuca Sardan

Como foi seu contato inicial com a literatura? Quais foram suas leituras formadoras?
Meu contato inicial foi com as artes plásticas, meu pai era arquiteto e pintor. Formei-me em arquitetura e sonhei ser pintor. Mas não deu certo nem uma nem outra coisa. Ao menos guardei minha mania de desenho humorístico-patafísico. Já ia beirando os vinte, e uma bela tarde, sentado num bar, decidi ser poeta. Até então, meus textos formadores, além da antologia de liceu (Carlos de Laet), foram tangos de Gardel (família gaúcha, coleção de discos portenhos) e… Les fleurs du mal, de Charles Baudelaire (minha saudosa professora de francês Louise Jacquier adorava minhas recitações com voz tremida e tenebrosa… ela quase morria de medo).

E quais são suas preferências de leitura?
Enquanto leitor, poesia, ensaios, política, filosofia, revistas, jornais e caricaturas, charges, ilustrações, catálogos, almanaques e livros de arte.

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Ilustrações: Zuca Sardan

Do meio literário enquanto um meio social, muitos escritores abrem mão. Mas o senhor não sente falta de ter interlocutores, de acompanhar com mais proximidade o que se faz, publica, diz e pensa na literatura brasileira?
Mantenho contato com meus bons amigos, os poetas Chico Alvim, Nicolas Behr, Chacal, Turiba, Sérgio Lima, Sérgio Alcides, Floriano Martins e outros na Europa; as críticas Flora Süssekind, Débora Racy, Teresa Cabañas, Deise Bazanella; minha editora Heloisa Jahn; e vários e várias poetas e camaradas da novíssima geração que aceitam este bom velhote com gentileza, amizade e carinho. Não posso reclamar. Viva la Vita.

Diz-se que o senhor envia poemas por carta e em e-mails a amigos. Onde os localiza em sua produção? A intenção é que permaneçam apenas entre amigos ou podem vir a ser publicados?
Além do mais, poesia e desenhos também me servem pra manter vivo o contato com meus amigos e amigas em várias partes do mundo. Mas a minha intenção final é poder vir a publicá-los. Viva Ximerix.

Ao passo em que nos anos 1970 sua poesia encontrou seus pares na geração marginal, como ela dialoga com a produção atual?
Dialogo com todas as novas idéias, não só da poesia, mas das demais artes e acontecimentos gerais da atualidade no Brasil e no Mundo. Mas também dialogo com o Passado, que está sempre se transformando e reagindo face às novas tendências de interpretação e reavaliação, por filósofos, críticos, artistas e cientistas.

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Ilustração: Zuca Sardan

Estar à margem pode dar a impressão de maior liberdade, de não carregar expectativas. Por outro lado, pode ser que se espere que o senhor trabalhe sempre com características da poesia marginal e outras já marcantes em sua obra. Como o senhor articula a relação entre seu estilo e inovação?
Em vez de procurar inovar, deixo que a inovação me surpreenda. Não há inovação sem surpresa. Arte é o poder de surpresa, pro próprio artista.

O senhor pode ser considerado membro do grupo dos que estão sempre a escrever o mesmo livro? Ou dos escritores de um só tom?
A Poesia, como a Música, gosta de fazer variações sobre um mesmo tema. É porque tudo o que é bom, a gente gosta de fazer de novo. Mas sempre… um pouquinho diferente. Não é verdade?

• Sua poesia ainda pode ser chamada de marginal?
Se quiserem continuar a chamá-la de marginal, por mim tudo bem… não me incomodo. Até prefiro ser marginal do que enquadrado nos cânones clássicos dos venerandos Medalhões da Pátria.

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Ilustração: Zuca Sardan

Muitos escritores (principalmente prosadores) consideram a poesia um gênero literário superior aos demais. O senhor concorda?
Concordo plenamente. Os romancistas são boa gente, mas a Poesia é melhor. Tanto é que os melhores dentre eles mesmos… o dizem.

O que é um bom poema?
Bom poema é aquele que cada vez que você o reler… ele se torna diferente.

A poesia marginal surgiu de uma geração televisiva, influenciada pela música popular, pelo cinema e pelo teatro dos anos 1960, e também foi marcada por um contexto político, histórico e cultural — e pela inadequação dos poetas a ele. Que poesia o senhor vê surgir, crescer e se consolidar hoje?
Acho que com a multiplicação (em cifra astronômica) da intercomunicação nacional e internacional de contatos e informações pela internet, e as novas possibilidades gráficas e musicais oferecidas pela eletrônica, as artes podem mudar completamente. É preciso, porém, atenção com o facilitário, pra não cairmos num semi-analfabetismo mundialmente comprazido e satisfeito.

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Ilustração: Zuca Sardan

O senhor aparenta ter uma visão muito menos romântica, ou idealizada, da poesia. Vários autores falam de escrever para permanecer vivo, dar um sentido à existência, buscar compreensão, dialogar com o outro. O que o senhor busca na poesia, além da já mencionada crítica à sociedade?
Busco a Glória e a Posteridade. São duas irmãs bem diferentes. A Glória tem cachos dourados… e a Posteridade… garboso bundão. A Glória é bela e volúvel… e gosta de me esnobar. Mas a Posteridade, dama muito mais séria, já me telefonou várias vezes. E eu lhe digo: “aguenta só mais um pouco, Popó…”.

Yasmin Taketani

É jornalista.

Rascunho