Tiestes, de Lúcio Aneu Sêneca, livro publicado em 2018 pela Editora da UFPR, apresenta dois aspectos singulares: é a única obra que chegou completa até nós sobre o trágico mito dos Pelópidas; e é sua primeira tradução integral em versos para o português. A edição, bilíngue, tem tradução, estudos e notas de José Eduardo S. Lohner.
As notas do tradutor, inseridas ao final do texto bilíngue, não apenas indicam opções de tradução, mas apontam diversos elementos úteis a um melhor entendimento do texto, como, entre outros, explicações de termos diversos sobre aspectos geográficos; personagens históricas, literárias ou mitológicas; povos históricos; relações intertextuais com obras de outros autores; questões de métrica; opções adotadas por outros tradutores; e explicações sobre o enredo da tragédia.
Os estudos situam o leitor no ambiente literário da Antiguidade greco-latina, explicam como as tragédias senequianas, incluindo Tiestes, chegaram até o presente e, mais importante para esta coluna, estendem-se sobre a tradução em verso da poesia trágica do autor latino.
É no último desses estudos, intitulado Poesia trágica de Sêneca traduzida em verso, que o tradutor explicita a estratégia que adotou em seu trabalho. Lohner, seguindo de certo modo o que ele mesmo conceitua como a “tendência atual na tradução de obras da literatura grega e latina para o português”, procurou “aproximar o público leitor ao contexto cultural e estético que norteou a composição da obra original, por meio de material exegético, notas e comentários, e até mesmo dando a ver o texto original em uma edição bilíngue”.
Lohner, contudo, detalha que essa mesma tendência envolveria não uma tentativa de emular, mas sim de valorizar, a técnica de composição do original. Ou seja, procura-se sobrepor o conteúdo ao aspecto estético, harmônico ou mais claramente “literário”.
É nesse ponto que Lohner sinaliza diferenciar-se dessa tendência, ao defender que, no caso de poesias, se deve tentar recriar “o encanto advindo da harmonia tanto de elementos formais quanto de conteúdo”. Entende-se, aqui, que foi essa a trajetória percorrida pelo tradutor de Tiestes — a qual seria amparada em comentário do próprio Sêneca sobre traduções em prosa de poemas de Homero e Virgílio.
De fato, Lohner destaca, como “talvez a principal contribuição deste trabalho”, haver realizado uma tradução em versos metrificados, mantendo tanto paridade com o número de versos do texto latino como a polimetria empregada por Sêneca. O tradutor aponta que, “sem abrir mão de um estilo fluente, preservou-se, no plano sintático, a trama das frases do texto latino e, no plano semântico, buscou-se reproduzir a variedade lexical típica do estilo senequiano”. A conjugação de elementos formais e de conteúdo, aliada à fluência de leitura, portanto, tendem a tornar a tradução ao mesmo tempo fiel ao original e palatável para o leitor alheio aos círculos acadêmicos.
Termino com excerto de citação, pinçada por Lohner, do tradutor português José Feliciano de Castilho (1810-1879). Feliciano de Castilho elenca, com estilo e espírito, mas também com grande dose de idealismo, os atributos que um tradutor deveria almejar para produzir um original de alta qualidade: “incorporar na própria a inteligência alheia, e daí observar a matéria de idêntico modo; conhecer como se foge da fidelidade infiel, que prendendo-se ao vocabulário literal, olvida ser a ideia, neja [= não já] a palavra, que se traduz; […] ornar a frase estranha de vestes e cores nacionais, tão conchegadas e próprias, que os mais atilados olhos se enganem”. Não é exatamente um conjunto de qualidades fácil de reunir. Mas pode funcionar como meta, ainda que algo irrealista.