Permanecer vivo: um método

O sofrimento é o caminho possível ao poeta — este parasita sagrado
Ilustração: Ramon Muniz
30/11/2017

Tradução: Jon Natalicio

Primeiro, o sofrimento
O universo chora. Os blocos de concreto de um muro carregam consigo um registro da violência com a qual foram atingidos. O concreto chora. A grama geme por entre os dentes dos animais. E o homem? O que devemos dizer do homem?

O mundo é sofrimento revelado. Na sua origem, é um nó de sofrimento. Toda existência é uma expansão e um esmagamento. Todas as coisas sofrem com a existência. O nada vibra com a dor até chegar ao ser, em um paroxismo abjeto. Seres se diversificam e se tornam complexos sem perder nada de sua natureza original. Uma vez alcançado um certo nível de consciência, o choro é produzido. A poesia deriva disso. Articular a linguagem, igualmente. O primeiro passo para o poeta é retornar à origem; isto é, ao sofrimento. As modalidades de sofrimento são importantes; não são essenciais. Todo o sofrimento é bom. Todo o sofrimento é útil. Todo sofrimento dá frutos. Todo sofrimento é um universo.

Henri tem um ano de idade. Ele está deitado no chão. Suas fraldas estão sujas. Ele berra. Sua mãe anda de um lado para o outro, apertando os calcanhares contra os pisos do chão, procurando por seu sutiã e sua saia. Ela está com pressa de ir ao seu encontro noturno. Esta coisa pequena coberta de merda, movendo-se sobre o assoalho, a exaspera. Ela mesma começa a chorar. Henri grita ainda mais. Então ela sai. Henri teve um bom começo em sua carreira como poeta.

Marc tem dez anos de idade. Seu pai está morrendo de câncer no hospital. Esta pilha de máquinas surradas, com tubos que caem na garganta e gotejamentos intravenosos: este é o pai dele. Somente seus olhos estão vivos; eles expressam sofrimento e medo. Marc também sofre. Ele também tem medo. Ele ama o pai. E ao mesmo tempo ele está começando a desejar que seu pai morra e a se sentir culpado por isso.

Marc tem trabalho a fazer. Ele deve cultivar em si mesmo esse sofrimento, tão particular e tão fértil: esta Culpa Santíssima.

Michel tem quinze anos. Ele nunca foi beijado por uma menina. Ele gostaria de dançar com Sylvie, mas Sylvie está dançando com Patrice, e ela está obviamente curtindo. Ele está congelado. A música penetra no âmago mais profundo de seu ser. É uma dança magnífica e lenta de surreal beleza. Ele nunca soube que poderia sofrer tanto. Sua infância, até agora, tinha sido feliz.

Michel jamais esquecerá o contraste entre seu coração, congelado de sofrimento e a beleza esmagadora da música. Sua sensibilidade está sendo formada.

Se o mundo é composto de sofrimento, isso se deve porque ele é, essencialmente, livre. O sofrimento é a consequência necessária do jogo livre das partes do sistema. Você deve saber disso; você deve dizer isso.

Não será possível para você transformar esse sofrimento em um objetivo. O sofrimento é, e, por consequência, nunca pode se tornar um objetivo. Nas feridas que nos infligem, a vida alterna entre o brutal e o insidioso. Conheça essas duas formas. Estude-as de perto. Adquira um completo conhecimento sobre elas. Distinga o que as separa, e o que as une. Muitas contradições serão então resolvidas. Sua voz ganhará em vigor e amplitude. Dadas as características da era moderna, o amor quase não se manifesta mais. No entanto, o ideal do amor não diminuiu. Ser, como todos os ideais, fundamentalmente atemporal, não pode diminuir nem desaparecer.

Daí uma discordância marcante entre o real e o ideal, e uma fonte particularmente rica de sofrimento.

Os anos de adolescência são importantes. Uma vez que você desenvolveu um senso de amor suficientemente ideal, nobre e perfeito, você está condenado.

Nada, doravante, será suficiente.

Se você não namora mulheres (seja por timidez, feiura ou por algum outro motivo), leia as revistas femininas. Você experimentará um sofrimento que é quase equivalente. Vá para o fundo da ausência de amor. Cultive o auto-ódio. Ódio de si mesmo, desprezo pelos outros. Ódio aos outros, desprezo por si mesmo. Misture tudo. Forme uma síntese. No tumulto da vida, sempre seja o perdedor. O universo é como uma discoteca. Acumule frustrações em grande número. Aprender a tornar-se um poeta é desaprender a viver.

Ame seu passado ou odeie, mas deixe-o permanecer presente para você. Você deve adquirir um completo conhecimento de si mesmo. Assim, pouco a pouco, seu eu profundo se desprenderá de você e deslizará para além do sol, enquanto o seu corpo permanecerá no lugar, túrgido, empolado, irritado, amadurado para novos sofrimentos.

A vida é uma série de testes de destruição. Passe pelo primeiro deles e falhe nos últimos. Arruíne a sua vida, mas não muito. E sofra, sempre sofra. Você deve aprender a sentir a dor em cada um dos seus poros. Cada fragmento do universo deve ser um dano pessoal para você. E, no entanto, você deve permanecer vivo — pelo menos por um certo tempo. A timidez não deve ser desprezada. Foi considerada a única fonte de riqueza interior; não está tão errado. De fato, é no momento do atraso entre vontade e ação que fenômenos mentais interessantes começam a se manifestar. O homem para o qual tal demora esteja ausente continua sendo pouco mais do que um animal. A timidez é um excelente ponto de partida para um poeta.

Desenvolva em si mesmo um profundo ressentimento em relação à vida. Esse ressentimento é necessário para qualquer verdadeira criação artística.

Às vezes, é verdade, a vida parecerá a você somente uma experiência incongruente. Mas seu ressentimento nunca deve estar longe, nunca fora do alcance — mesmo se você optar por não o expressar. E volte sempre para a origem, que é o sofrimento.

Ao provocar nos outros uma mistura de piedade e desprezo horrorizado, você saberá que está no caminho certo. Você pode começar a escrever.

Articular
Uma força se torna movimento uma vez que ela entra em ação e se desenvolve no tempo.

Se você não consegue articular o seu sofrimento dentro de uma estrutura bem definida, você está condenado. O sofrimento o engolirá inteiro, por dentro, antes de você ter tido tempo de escrever qualquer coisa. A estrutura é o único meio de escapar do suicídio. E o suicídio não resolve nada. Imagine se Baudelaire lograsse êxito em sua tentativa de suicídio, aos vinte e quatro anos. Acredite na estrutura. Acredite nas métricas antigas, da mesma forma. A versificação é uma ferramenta poderosa para a libertação da vida interior.

Não se sinta obrigado a inventar uma nova forma. Novas formas são raras. Uma por século já seria um ritmo acelerado. E os maiores poetas não estão necessariamente em suas origens. Poesia não é uma reformulação da linguagem, não essencialmente. As palavras são de responsabilidade da sociedade como um todo. A maioria das novas formas não é produzida do zero, mas a partir de uma lenta variação de uma forma antecedente. A ferramenta é adaptada, pouco a pouco; sofre modificações leves. A novidade que resulta de seu efeito conjugado geralmente não aparece antes do final, quando o trabalho já está escrito. Isto é inteiramente comparável à evolução das espécies. Você emitirá, em primeiro lugar, choros inarticulados. E muitas vezes você será tentado a regredir para esse estágio. É normal. A poesia, na realidade, precede a linguagem articulada, embora não por muito. Mergulhe novamente em choros inarticulados, toda vez que você sentir necessidade. É um banho rejuvenescedor. Mas não se esqueça: se você não é capaz, pelo menos de vez em quando, de emergir dele, você vai morrer. O organismo humano tem seus limites.

No auge do seu sofrimento, você não será capaz de escrever. Se você sentir que não consegue, tente ainda assim. O resultado provavelmente será ruim — provavelmente, mas não certamente. Nunca trabalhe. Escrever poemas não é trabalho; é um peso. Se o uso de uma forma específica (alexandrina, por exemplo) requer esforço, renuncie-a. Este tipo de esforço nunca vale a pena. O mesmo não pode ser dito sobre o esforço geral, contínuo e consistente para superar a apatia. Este é indispensável. Com relação à forma, nunca hesite em se contradizer. Bifurque-se, mude de direção sempre que necessário. Não busque tanto ter uma personalidade coerente. Tal personalidade existe, goste você ou não.

Não negligencie nada que possa lhe angariar um mínimo de equilíbrio. De qualquer maneira, a felicidade não é para você. Isso já foi estabelecido, e há algum tempo. Mas se você consegue conceber um de seus simulacros, conceba. Sem hesitação. Em todo o caso, não durará.

Sua existência não é nada mais do que um tecido de sofrimentos. Você acha que consegue distribuí-los de forma coerente. Seu objetivo, nesta fase: viver o tempo suficiente para que consiga.

Ilustração: Ramon Muniz

Sobreviver
A carreira literária é, todavia, a única em que você pode não ganhar dinheiro algum sem parecer ridículo.
(Jules Renard)

Um poeta morto não escreve. Daí a importância de permanecer vivo. Este simples raciocínio às vezes será difícil para você se habituar. Em particular durante períodos de esterilidade criativa prolongada. Seu apego à vida aparecerá, nesses momentos, dolorosamente vão. De qualquer modo, você não estará escrevendo.

Para isso, apenas uma resposta: em última análise, você não sabe nada sobre isso. Se você se examinar com honestidade, terá que concordar. É sabido que casos estranhos ocorrem.

Se você não está mais escrevendo, talvez seja um prelúdio de uma mudança de forma. Ou uma mudança de tema. Ou ambos. Ou talvez seja, de fato, um prelúdio para sua morte criativa. Mas você não sabe nada sobre isso. Você nunca conhecerá essa parte que o obriga a escrever. Você só o conhecerá através de formas contraditórias que tão-só se aproximam disso. Egotismo ou devoção? Crueldade ou compaixão? Qualquer uma dessas possibilidades poderia ser defendida. Prova de que, em última análise, você não sabe nada sobre isso. Assim, não se comporte como se soubesse. Perante sua própria ignorância, perante esta parte misteriosa de si mesmo, permaneça honesto e humilde. Não só os poetas que vivem até a velhice em geral produzem mais trabalho, mas também a velhice é o assento de processos físicos e mentais particulares, dos quais seria vergonhoso ser ignorante.

Dito isto, a sobrevivência é extremamente difícil. Pode-se considerar a adoção do que poderia ser chamado de estratégia de Pessoa: encontre um pequeno trabalho, não publique nada e aguarde a morte com paciência. Na prática, se avançaria para enfrentar dificuldades significativas: a sensação de que se está desperdiçando o tempo, que não está em seu lugar, não está sendo estimado pelo seu verdadeiro valor… Tudo isso se tornaria insuportável rapidamente. Beber seria difícil de evitar. No final, a amargura e o desgosto esperariam ao final da estrada, sendo logo seguidos pela apatia e esterilidade criativa irreversível.

Esta solução, portanto, tem suas desvantagens, mas é geralmente a única. Não se esqueça de psiquiatras, que têm à sua disposição o poder de conceder licença por doença. No entanto, uma estada prolongada em um hospital psiquiátrico deve ser proscrita: muito destrutiva. Deve-se usar apenas como último recurso, como alternativa à destituição. Os mecanismos do estado de bem-estar social (seguro desemprego etc.) devem ser aproveitados ao máximo, bem como o apoio financeiro de amigos que estão em melhor situação. Não cultive culpa excessiva em relação a isso. O poeta é um parasita sagrado.

O poeta é um parasita sagrado: como os escaravelhos do antigo Egito, ele pode prosperar sobre o corpo de sociedades ricas em um estado de decadência. No entanto, ele também tem seu lugar no coração de sociedades frugais e fortes.

Você não precisa lutar. Boxeadores lutam, não poetas. Mesmo assim, é necessário publicar um pouco; esta é uma condição necessária para que haja reconhecimento póstumo. Se você não publicar uma certa quantia mínima (seja apenas um punhado de textos em uma revista de segunda categoria), você passará despercebido para a posteridade  —  tão despercebido quanto você esteve durante sua vida. Mesmo o mais perfeito gênio deve deixar algum vestígio; deixe que arqueólogos literários exumem o resto. Isso pode falhar; muitas vezes falha. Você deve repetir pelo menos uma vez ao dia que o importante é fazer o seu melhor.

Estudar as biografias de seus poetas favoritos pode ser útil para você; isso pode evitar certos erros. Nunca se esqueça de que, como regra geral, não há uma boa solução para o problema da sobrevivência material, embora haja várias ruins.

O problema de onde você passa sua vida geralmente não se apresenta; você viverá onde puder. Apenas tente evitar vizinhos excessivamente barulhentos, que são capazes, por si só, de trazer uma morte intelectual definitiva.

Uma pequena experiência profissional pode fornecer algum conhecimento, eventualmente útil em um trabalho posterior, sobre o funcionamento da sociedade. Mas um período de destituição, no qual você mergulharia na marginalidade, pode fornecer outros tipos de conhecimento. O ideal é alternar.

Outras realidades da vida — como uma vida sexual harmoniosa, casamento e filhos — são benéficas e frutíferas. Mas estas são quase impossíveis de alcançar: no que diz respeito à arte, eles são territórios praticamente desconhecidos.

De maneira geral, você será jogado de um lado para o outro entre a amargura e a angústia. Em ambos os casos, o álcool ajudará. O importante é obter os poucos momentos de remissão que permitirão a realização de sua obra. Eles serão breves; faça um esforço para aproveitá-los.

Não tenha medo da felicidade; ela não existe.

Acerte no que importa
Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
(2º Timóteo 2:15)

Não busque conhecimento como fim em si mesmo. Tudo o que não precede diretamente da emoção é, na poesia, sem valor. (A palavra “emoção” deve ser entendida, é claro, no sentido mais amplo. Certas emoções não são nem agradáveis ​​nem desagradáveis, este é, em geral, o caso do sentimento de estranhamento.) A emoção abole a cadeia causal. Ela, por si só, é capaz de possibilitar a percepção das coisas em si mesmas. A transmissão desta percepção é objeto de toda poesia.

Compartilhado, este objetivo da filosofia e da poesia é a fonte da cumplicidade secreta que as une. Ela não se manifesta essencialmente por meio da escrita de poemas filosóficos; a poesia deve descobrir a realidade de maneira própria, puramente intuitiva, sem passar pelo filtro de uma reconstrução intelectual do mundo. Muito menos por meio de filosofia expressa em forma poética, que na maioria das vezes nada mais é do que um miserável subterfúgio. Ainda assim, é sempre entre os poetas que uma nova filosofia encontra os leitores mais sérios, mais atentos e mais frutíferos. Da mesma forma, apenas certos filósofos serão capazes de discernir, de trazer à luz e de usar as verdades escondidas na poesia. É na poesia, quase tanto quanto na contemplação direta — e muito mais que nas filosofias antecedentes — que encontrarão material para novas representações do mundo.

Respeite os filósofos; não os imite. Seu caminho, infelizmente, fica em outro lugar. É indissociável da neurose. A experiência poética e a experiência neurótica são dois caminhos que cruzam, se interceptam e, na maioria das vezes, acabam se mesclando; pela dissolução do minério poético na sangrenta torrente de neurose. Mas você não tem escolha. Não há outro caminho.

Seu trabalho incessante sobre suas obsessões acabará transformando você em um náufrago patético, consumido pela angústia e devastado pela apatia. Mas, repito, não há outra maneira. Você deve atingir o ponto de não retorno. Quebre o círculo. E produza alguns poemas antes de se esmagar ao chão. Você terá vislumbrado espaços imensos. Toda grande paixão abre uma perspectiva na eternidade.

Em última análise, o amor resolve todos os problemas. Tal e qual, toda grande paixão leva, em última instância, a uma zona da verdade. A um espaço diferente, extremamente doloroso, mas do qual se pode ver longe e claramente. Onde os objetos purificados aparecem em toda a sua clareza, sua límpida verdade. Acredite na identidade do Verdadeiro, do Bonito e do Bem.

O objetivo da sociedade onde você vive é destruí-lo. Você tem o mesmo objetivo em relação à sociedade. A arma que usará é a indiferença. Você não pode se permitir ter a mesma atitude. Ataque!

Todas as sociedades têm seus pontos de menor resistência, suas feridas. Coloque o dedo na ferida e a pressione firme.

Sonde assuntos que ninguém quer ouvir. O outro lado do cenário. Insista na doença, agonia, feiura. Fale da morte e do esquecimento. Do ciúme, da indiferença, da frustração, da ausência de amor. Seja abjeto, e você será verdadeiro.

Não pertença a nada. Ou então pertença, e então imediatamente traia. Nenhum engajamento teórico deve impedi-lo por muito tempo. A militância faz o homem feliz, e a sua é não o ser. Você está do lado da infelicidade. Você é o adversário obscuro.

Sua missão não é, sobretudo, propor, nem é construir. Se você pode fazer isso, faça. Se você acabar com contradições insuportáveis, diga. Porque sua missão mais profunda é escavar rumo ao Verdadeiro. Você é o coveiro e é o cadáver. Você é o corpo da sociedade. Você é responsável pelo corpo da sociedade. Todos vocês são responsáveis, em igual medida. Abrace a terra, seu lixo!

Determine inocência e culpa. Primeiro em você mesmo: isso lhe proverá um guia. Mas também nos outros. Considere seus comportamentos e suas desculpas. Então julgue, com toda a imparcialidade. Você não se poupou; não poupe ninguém. Você é rico. Você conhece o Bem e o Mal. Nunca renuncie à separação dos dois. Não fique atolado na tolerância, aquele pobre estigma desta época. A poesia é capaz de estabelecer verdades morais definitivas. Você deve odiar a liberdade com toda a sua força.

A verdade é escandalosa. Mas sem ela, nada vale a pena. Uma visão honesta e ingênua do mundo já é uma obra-prima. Em comparação com este requisito, a originalidade pouco importa. Não se preocupe com isso. De toda forma, uma certa originalidade emergirá necessariamente da soma de seus defeitos. Daqueles que lhe afligem, simplesmente diga a verdade; simplesmente diga a verdade, nem mais nem menos.

Você não pode amar a verdade e o mundo. Mas você já escolheu. O problema agora é aderir a esta escolha. Rogo a você que mantenha sua coragem. Não que você tenha o menor motivo para ter esperança. Pelo contrário, saiba que você estará muito sozinho. A maioria das pessoas se acomoda com a vida, ou então elas morrem. Vocês são suicidas vivos.

Quando você se aproxima da verdade, sua solidão aumentará. O edifício é esplêndido, mas deserto. Você está passando por salas vazias que lhe enviam o eco de seus passos. A atmosfera é límpida e invariável; objetos parecem orientados a estátuas. Às vezes você começa a chorar, tão cruel é a clareza da sua visão. Você gostaria de voltar atrás, à névoa da ignorância, mas, finalmente, você sabe que já é tarde demais.

Continue. Não tenha medo. O pior já passou. Com certeza, a vida irá despedaçá-lo novamente, mas, do seu ponto de vista, você realmente não tem lá mais muito a ver com a vida. Lembre-se disso: fundamentalmente, você já está morto. Você está agora cara a cara com a eternidade.

NOTA
Publicado em 1991 pela Éditions de la Différence, Permanecer vivo: um método (Rester vivant: méthode) é composto por uma série de textos curtos sobre sofrimento e poesia. Recentemente, a partir do livro, foi produzido um documentário com a participação de Iggy Pop e Michel Houellebecq.

Michel Houellebecq
Rascunho