Da poesia e da política

Com muito humor e lirismo, Odylo Costa foi um observador atento das questões cotidianas que o rodeavam
O cronista Odylo Costa, filho
21/04/2016

O vasto repertório de cronistas brasileiros criou uma quase infinda gama de possibilidades para o gênero. Começa com a fina ironia política de Machado de Assis, passa pelo clima cáustico de Lima Barreto, pelo dandismo populista de João do Rio, traspassa o intenso lirismo de Rubem Braga e a geração dos variados mineiros: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Rezende, Carlos Drummond de Andrade, até chegar aos hilários Carlinhos de Oliveira, João Ubaldo Ribeiro e Luis Fernando Verissimo. E novos cronistas continuam surgindo.

Odylo Costa, filho, agora redescoberto com a edição do volume Melhores crônicas, organizado por Cecília Costa Junqueira e Virgílio Costa, faz parte desta já longeva tradição. Seus textos estão intrinsicamente ligados ao jornalismo, o que os encaminha para uma brilhante e original volta à origem do gênero, onde havia uma íntima aliança entre a notícia e sua bem humorada análise. Odylo não chega a rigor a contar fatos noticiosos, mas com irônica poesia busca no prosaico cotidiano os pontos de apoio para refletir sobre as questiúnculas políticas de seu tempo.

Esta ligação da literatura com as questões sociais se explica pelas intensas atividades profissionais do autor. Odylo viveu sempre nas redações, quando as redações do jornalismo impresso tinham mais importância e inquietude. Isso o levou a um curioso pragmatismo frente aos problemas que surgiam. Diante da morte do filho mais velho, então com vinte anos, assassinato por um menino de rua, voltou a escrever poesia, mas também moveu sua influência de jornalista na construção de uma campanha que resultou na Febem (Fundação Estadual do Bem-estar do Menor).

E aí está um ponto bem interessante de sua obra. Odylo falava de política nas crônicas sabendo que a literatura deve se afastar dos ditames da ideologia, sobretudo quando esta tenta intervir naquela. Seus protestos contra a chamada literatura engajada são brilhantes. E ironizava o fato consumado quando se dava a pobre união: “Lembra aquela extrema delicadeza com que o Anuário da Academia Brasileira fala do 29 de outubro, na biografia do acadêmico Getúlio Vargas: ‘a 29 de outubro de 1945 deixou de ser presidente da República’… Se acrescentassem ‘contra a vontade’, estaria perfeito.”

Neste aspecto parece falar de si próprio quando escreve sobre seu amigo Orlando Dantas. “Não tinha medo da vida. Poderia perder, sabia que recomeçaria. Foi com essa rijeza que (…) pôde enfrentar o Estado Novo, porque o mais que pode acontecer é a morte, mas de que vale vida sem liberdade?”

O livro, no entanto, nasceu de uma larga garimpagem de seus organizadores. Vasculhando nos arquivos de jornais e nos guardados do autor foram encontrando as crônicas esquecidas, quase perdidas. Se o esforço resultou num volume alentado, mais de quinhentas páginas, oferece, assim, um vasto panorama que começa em 1938 e se estende até fevereiro de 1979.

No fundo, Odylo era um homem do cotidiano, mais uma qualidade jornalística. E por isso falava com tanta precisão sobre os bondes e quintais de Santa Teresa.

Exageros
Esta amplitude termina por promover alguns exageros dos organizadores. Eles publicaram alguns textos que, mesmo com indiscutível qualidade formal, nada têm de crônica. Um exemplo. No longo texto Gonçalves Dias visto por Manuel Bandeira, Odylo traça uma lúcida simbiose entre os dois poetas — suas tragédias, seus encantos —, mas trata-se de uma resenha literária que poderia figurar num possível volume com o trabalho jornalístico de Odylo.

À parte tais escorregões, sobra no volume a vasta e lúcida cultura de Odylo. Seu catolicismo arreigado — frequentemente cita trechos bíblicos com visível devoção — não o limita. Ao contrário, busca na larga cultura mítica os conceitos clássicos, aqueles que enriquecem o legado humano. E mesmo quando brinca com outros credos, o faz com respeito. Fala do respeito que sente por Chico Xavier, embora confesse desacreditar na obra psicografada de Humberto de Campos. E explica.

Conheci-o de perto, e muitas vezes conversei, em vida dele (é bom deixar bem claro), com este homem. E nunca vi preguiça igual para escrever. Parecia com a de todos nós que vivemos de escrever coisas, mas muito maior.

Assim, mesmo com a vasta obra que deixou quando partiu para o além, Humberto não poderia estar ainda a escrever. “Escrever um livro, para mim, é como casar; e casamento exige — pelo menos de meu ponto de vista — consumação entre vivos”, arremata Odylo.

Impressiona, de certa forma, esta capacidade de tudo enxergar com olhos felizes, mas, ao mesmo tempo, atolado num humanismo sólido. De maneira prática e até correta, o fenômeno traz à lembrança a formação da geração de Odylo. Indiscutivelmente havia um grande respeito pela leitura dos clássicos, o que fatalmente despertava em muitos o gosto pela escrita. E quem sabia escrever terminava por se abrigar profissionalmente nas redações. Daí a quase natural vocação literária dos jornalistas de seu tempo.

Mas no fundo Odylo era um homem do cotidiano, mais uma qualidade jornalística. E por isso falava com tanta precisão sobre os bondes e quintais de Santa Teresa, o bairro onde, segundo o autor, naqueles idos dos anos cinquenta, as pessoas se conheciam pelo nome e as profissões modestas de sapateiro e encanador ainda sobreviviam.

Enfim, Odylo Costa, filho, foi cronista dos maiores. Sabia trazer os grandes temas para o prosaico da vida. E tudo dito com as armas mais letais que existem: a poesia e o humor.

Melhores crônicas
Odylo Costa, filho
Seleção: Cecília Costa Junqueira e Virgílio Costa
Global
536 págs.
Odylo Costa, filho
Jornalista, poeta e ficcionista, nasceu em São Luís do Maranhão, em 1914. Aos quinze anos começou a escrever no semanário Cidade Verde, de Teresina, no Piauí. Formou-se em Direito, mas se dedicou sempre ao jornalismo. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e, entre poesia, novela, conto e ensaio publicou mais de vinte volumes. Morreu no Rio de Janeiro em 1979.
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

Rascunho