Para Marize Castro
Viva você que ainda canta, você que brilha surdamente como o ouro velho brilha sem berrar, você que continua a ser, e tanto ainda viceja, tanto ainda resplende, que só pode estar cheia de desejo e amor,
viva a poesia que nunca se contenta com pouco, nem com o suficiente, essa poesia que não é jogo nem êxito de estratagemas, viva a palavra-sortilégio de alma antiquíssima, de onde tudo medra, inclusive o dito novo,
viva a mariposa, a sombra que alimenta a orquídea, o anjo andrógino, viva a ocorrência sagrada de certos versos que ardem, sempre ardem, mesmo depois de décadas, depois de séculos, fogo de sarça e não de palha,
viva o canto inspirado que ninguém sabe onde começa ou termina, a nudez que nada tem de banal, a melodia do poço para quem nele se debruça, o pátio interno em que mulheres e feras e faunos convivem docemente,
viva a flor dos tempos, cultivada no substrato de audácia com humildade, viva esse jardim que tem sua temporada de poemas, como outros canteiros têm sua safra de laranjas, ameixas, mangas, romãs,
viva você que é e não se exibe, que não carece de exibir-se, obsidiana dos vulcões, que atrai, que encanta, que assombra, viva a palavra que vem da paixão e sabe a sangue, palavra de agora, recém-chegada de longe, asa de canto, viva,
viva você!