Um papo espanta-idolatria

Uma descida de elevador vira revelação sobre escritores que desmontam idolatrias, no riso sinistro que ecoa entre silêncios e clangs
Ilustração: Mariana Ianelli
22/11/2025

Final dos anos de 1980, um homem entra no elevador, no 31º andar do edifício Copan, e aperta o botão do térreo. O elevador vai descendo lentamente e, a cada andar que passa, faz um barulho de solavanco na engrenagem, clang!. A certa altura, entra no elevador Plínio Marcos. O homem o reconhece. Silêncio, clang!, silêncio, clang!. O homem não resiste à abordagem: “Comprei seu livro. O Querô”. Silêncio, clang!, silêncio. Plínio Marcos levanta os olhos, encara seu interlocutor, depois diz, com uma risadinha: “Hum, então foi você”.

Essa é uma anedota que de fato aconteceu com um amigo meu. Um papo brevíssimo que acabou antes de o elevador chegar ao térreo. O que mais meu amigo podia ter dito ali? Plínio Marcos era daquele tipo de escritor espanta-idolatria. Como Hilda Hilst na sua madureza de cronista sexagenária, com nojo da humanidade, disparando socos de acordar as almas, ou Stamatius, seu personagem de escritor desdentado, desgraçado, pirado, catador de lixo. Ao menos lá no século passado, nenhum deles era de alimentar fã-clubes.

“Hum, então foi você”, diz o escritor para seu leitor com uma risadinha. E a gente ri também. Hilda cronista, possuída pelo senhor doutor Fritz, pedindo dinheiro aos leitores do jornal para pagar o IPTU ou vender sua casa por um milhão de dólares para ser “casa de escritor”. O miserável Stamatius, torcendo as bolotas de um editor antes de sumir de vista. Sim, a gente ri. Parece mesmo só anedota. Então vem aquela sequência de silêncios e clangs dentro do elevador que desce e parece nunca chegar ao térreo. Aquela lenta e larga sequência de silêncios e clangs depois da sinistra risadinha.

Mariana Ianelli

Nasceu em São Paulo em 1979. Formada em jornalismo, mestre em literatura e crítica literária, estreou na poesia em 1999 com Trajetória de antes. Em 2013, estreou na crônica com Breves anotações sobre um tigre. É também autora de dois livros infantis. Desde agosto de 2018, edita a página Poesia Brasileira no Rascunho. Escreve quinzenalmente, aos sábados, na revista digital de crônicas Rubem.

Rascunho