1.
No jardim dos cardos aonde pessoa alguma jamais foi, ressuma da terra uma água escura entre longos fios de cabelo. Lá faz frio, muito frio, e silêncio.
2.
Ouve-se um zumbido de asas. Ainda embriagado de sono, o velho acorda sobre uma mesa. Passaram-se quatro décadas e seus pés estão cobertos de abelhas.
3.
Dizem que em algum ponto a leste no mar das Filipinas, sobre doze quilômetros de abismo, vê-se a sombra de um barco que navega sozinho, em círculos.
4.
Numa ruína de estância, nos fundos de uma oficina vazia, o chão começa a se abrir. Pelo vão das tábuas, em estalos de grito, vai brotando uma mistura de ossos e raízes.
5.
Há uma loba caçando nas montanhas, abocanhando por trás sua presa. Quando a mulher dá por si, o corpinho ainda pende da sua boca, o pescoço preso pelos dentes.
6.
Numa tarde de maio, os ponteiros do relógio da torre de uma cidadezinha entre rios rodaram em sentido contrário. Ninguém se lembra desse dia.
7.
Primeiro, a marca nos dedos, depois a mancha ao longo do braço, o peito cheio de bolhas negras. Então a cara apertada num ricto e, no ar, um cheiro de batatas velhas.
8.
Nas falésias da costa mediterrânea, a certa hora da madrugada da qual não se tem registro, dezenas de cavalos selvagens galopam para o suicídio.
9.
Tampa lacrada e a caixa dentro do buraco da gaveta. É abafado ali, e estreito. No corpo dentro do vestido, uma forma de enguia se movimenta.
10.
Dorme, meu menino sombrio, navega teus medos. Sonha com o anjo das grandes asas de morcego. Sonha com a mulher-menina que te sorri do fundo do espelho.