Urgem coisas, muitas coisas, que não são passos na direção do sucesso nem planos de conquista nem projetos de carreira, coisas que não são da ordem do empreendimento nem do monumento, que não são da ordem do louvor ao mérito. Aquelas tais coisas simples, não rentáveis, não ostentáveis, que não nos exigem, embora urgentes, que não gritam, não instam, só esperam.
A água gelada para a ânfora da rosa vermelha. O afago no cão de barriga para cima. A carta para a amiga em letra manuscrita. O último sol dourado no bosque mais próximo de casa. Algum cuidado com os casulos que latejam. Uma chance de infância. O mar no corpo. O céu no corpo. Um desenrolar de panos e tules. Algum enamoramento. Um contato ávido entre peles. O brilho de júbilo que vem da confiança alheia. A experiência da alma entre falenas. Uma aquarela sem certificado, sem número de tombo, puro fruto do prazer.
Se calhar são esses momentos que entrarão naquele cinema final da vida, quando se borram narrativas, circunstâncias, contextos, e tudo o que fica é só a inteireza de um poema. Um poema de instantes circulares, sem começo nem fim, sempre acontecendo. Um dia de gaivota em frente ao lago. Uma noite dormida na rede. Um momento de estrelas acordadas, fora e dentro. Um nada ilimitado e coruscante, cheio de ninguém. Urge viver a pré-estreia do poema. Estar em cada fotograma. Fazê-los.