Certas práticas humanas não mudam com o tempo. Continuam, digamos, orgulhosamente rústicas, mesmo na nossa era tecnológica. Os namoros nos bosques, por exemplo. No bosque da minha região, encontro vestígios, lenços de papel, luvas de látex, camisinhas. Está certo que a primavera já enseja a prática de uma maneira geral, embora eu mesma nunca tenha visto entre as árvores nenhum casal que não fosse de sabiás ou pitiguaris. O que vejo aqui e ali, ao pé dos cedros e das bananeiras, em diferentes épocas do ano, são as sobras do amor afobado, que os próprios donos não fazem caso de recolher. Prática milenar que o bosque abraça sem escândalo, mais até que sem escândalo, acobertando, absorvendo.
Não será isso que aborrecerá as árvores, peritas em guardar segredo. Elas não se ofendem nem se vexam. Guardam também outros vestígios além desses do amor urgente, como fitinhas amarradas aos troncos, círculos de pétalas de rosas, simpatias, oferendas. Tudo o bosque recebe, e não é que ele anda resplandecente esses dias? Todo aceso à tarde em lamparinas de folhas verde oliva. Não faz muito tempo removeram as árvores mortas, plantaram mudas de calabura, abriram novas trilhas e clareiras, o que sarapintou o chão de luz dourada e arejou bastante o espaço. Mas a nova ordem não foi de afetar os namorados, que provavelmente se amam ali sumidos no lusco-fusco.
Na minha adolescência, era outro o bosque da minha região, e nele também se praticava a libido milenar, mas a um tal ponto descontrolado que a ronda da polícia não descansava, a coisa pendendo para a violência, a armadilha, o crime, os maníacos assassinos, o terror no jardim das delícias. Era de fato perigoso alguém andar ali sozinho pelas trilhas, mesmo no meio da tarde. Eu contornava todo o parque, na saída do colégio, e chegava até o fundo mal afamado do bosque pelo lado de fora. Meu namorado me prensava contra a grade num beijo canibal e então éramos magicamente transparentes às sete da noite, com o apoio (e sob os eflúvios) das árvores nas minhas costas, e talvez nem sequer fosse primavera.