(07/11/20)
Com todo respeito te escrevo, de peito aberto, de mãe para mãe. Que revoltante terem levado todos os teus quatro filhos. Nem te deram a oportunidade da escolha de Sofia. Levaram todos de uma vez, até o mais mirrado de olhinhos tristes. Ficaram inúteis tuas tetas inchadas de leite.
Tenho parte nisso, admito. Não consigo resistir a um siamês, sou daquelas desvairadas que vão abrigando quantos gatos forem necessários, tigrados, pretos, malhados, até aparecer um siamês para fechar a conta.
Nunca te vi nem por foto, não sei teu nome, mas, se é que pode aliviar um pouco tua revolta, sei do paradeiro de todos os teus rebentos. Nenhum deles sofre em cativeiro, te asseguro, nenhum está chorando neste momento.
Os quatro ganharam nome, são agora o Leo, a Safira, a Misha e a Dadá. São quatro casas bagunçadas e seus donos reunidos conversando ternuras como crianças ressuscitadas da noite para o dia.
Leo tem um menino que o ama desde antes do seu nome de batismo. Safira tem o colo de uma moça que desde então sorri à toa e mal se lembra de dormir. Dadá ganhou não apenas uma mãe, ganhou duas, cheias de boa vontade, embora mais experientes com cachorros, por isso a coleira com guizo que lhe puseram no pescoço (e que, sabemos, não irá durar). A pequena Misha de olhos tristes está comigo, tem o colo de minha filha e uma almofada felpuda que é como um ventre de ursa. Pode sossegar que, embora miúda, Misha tem dentes afiadíssimos.
Sei que a reputação da nossa gente humana entre os bichos não é nada boa. Se nem mesmo resolvemos a escravidão entre os nossos, o que dizer daquela a que obrigamos os outros bichos. Mas, para aplacar teu abandono, há ainda esta notícia: teus filhos todos já ronronam, mesmo o menor deles.
Aqui me ponho humildemente, e te agradeço, por teu leite seco ter abastecido de alegria quatro casas, como se tua cria nos tivesse sido dada voluntariamente, com teu consentimento animal. Te agradeço de todo o coração. De mãe para mãe.