Sejamos honestos: somos perversos com as nossas poetas brasileiras. Primeiro as esquecemos, depois as cobrimos de louros. Ser esquecida talvez seja mesmo uma das estações obrigatórias da via gloriosa. Pensemos na poeta Lucila Nogueira e nos seus livros até hoje fora de mercado. Lucila, que morreu em 2016 e foi presença pioneira nos festivais latino-americanos de poesia, além de ensaísta, tradutora, professora. É certo que seu nome circula em ambiente acadêmico, mas e entre leitores comuns e espíritos autodidatas?
Onde está a poesia de Lucila Nogueira que não seja nas universidades e nos alfarrábios? Onde, entre nós, essa voz meio cigana, galega, druidesa, babilônica, poeta vestida de organdi entre castelos, rochedos e altares megalíticos, a que se dizia humano pavio entregue à chama? Onde Lucila com seus leões e leopardos, despegando fantasia de antigas tábuas, sicomante em sua alquimia de anciãs no sangue? Quem ainda descola do papel seus versos e os ressuscita do fundo da gruta, lembrando novamente que “amar é dispensar todas as armas”, que “contra o sonho não pode um argumento”, que “o desencanto é uma explosão reversa” ou que “toda paixão é contra a austeridade”?
Ganhamos nesses últimos anos novas edições da poesia completa ou selecionada de Myriam Fraga, Dora Ferreira da Silva, Neide Archanjo, Olga Savary, Lélia Coelho Frota, Henriqueta Lisboa — e serão essas poetas hoje bem visitadas, sem pesada publicidade em cima? Ou será que há vozes que só ouvimos quando longe do rumor geral, e poemas que melhor desfrutamos à sombra?
Sabemos que Hilda Hilst, há pouco mais trinta anos pedra rara e cara dos sebos, tem brilhado desde que morreu em 2004, e segue brilhando reeditada, lida e estudada, biografada, pichada nas calçadas, sucesso de público, crítica e mercado. Mas vale a pena sempre lembrar que o editor que hoje a publica largamente é o mesmo editor que a rejeitou quando ela própria lhe ofereceu seus livros (caso contado pela própria Hilda, em 1991, em entrevista a Hussein Rimi). Também nunca é demais lembrar de Orides Fontela — ah! Eurídice… —, igualmente reeditada, estudada, adorada em seletos círculos, e que, no entanto, quando publicou seu livro Teia, em 1996, dois anos antes de sua morte, não viu nenhum poeta nem crítico comparecer ao lançamento…