Se por acaso você se sentir um pouco errado, pesado, miserável, se estiver na mira dos maus juízos, desiludido, fraco, desprezado, procure o socorro de uma criança. Só uma criança nos vê com olhos limpos, sem o filtro inquisitório com que enxergamos a nós mesmos e aos outros. Com toda a nossa atrapalhação, pode acontecer a inesperada graça de uma criança simplesmente nos querer bem. Digo por experiência própria.
Uma criança pode nos pôr de joelhos, nos lavar e nos curar com pouco, tão pouco. Um afago da minha filha e por ora me salvo. Dobro-me à sua altura e ela me penteia os cabelos, me cuida como quem cuidasse da própria casa, avança em me conhecer como nem suspeitam os outros, e não, ela não subtrai do saldo do seu amor os custos dos meus erros. Ela ama francamente, inteiramente, sem apartes, e nem imagina que isso tenha em mim o efeito de uma graça alcançada.
Aos doentes graves, prescreve-se às vezes a companhia dos bichos. Para nós, sempre um pouco doentes de alma (ou não?), a possibilidade de banhos curativos só de nos deixarmos por um tempo aos cuidados das crianças. Nós, aos cuidados delas, por uma vez, e não o contrário. Nós dobrados, falíveis, frágeis, por uma vez, sob a guarda e confiança dessas criaturas de olhos limpos e palavras nuas.
Pode acontecer que essas crianças nos devolvam uma pessoa diferente daquela que supomos ser ou parecer, e que essa pessoa de repente nos ensine o que não aprenderíamos em estudados gestos cheios de propósito. Por uma vez, nós, nem além nem aquém do juízo do próximo – como dizia Antônio Maria que estamos todos… –, mas, simplesmente, bem-vindos aos olhos e ao coração de uma criança, o que nunca será pouco.