O epitáfio nosso de cada livro

Um caminho possível para o textinho na orelha do livro é evoluir do exibicionismo constrangido para a falsa modéstia
Ilustração: Kleverson Mariano
14/05/2023

Hoje vou falar do texto menos importante de um livro (se bem que alguns capricham mais nesta parte do que em qualquer outra): a minibio.

Sabe aquela pequena biografia que geralmente fica na orelha do livro, sob uma foto do autor segurando o queixo (talvez simbolizando que ele mal suporta o peso de sua cabeça cheia de ideias)? Pois bem, é desse texto que estou falando.

Aquelas poucas linhas são um resumo da vida e da obra do autor. É quase um epitáfio. Toda a existência dele tem que caber ali. Ou, pelo menos, a parte mais interessante.

No mais das vezes, o texto traz o local e o ano de nascimento do sujeito, algo sobre sua vida acadêmica (ou outra vivência que lhe dê autoridade), os prêmios que ganhou e seus principais livros. Por exemplo:

“João da Silva nasceu em 1962, em Brasília, é doutor honoris causa em contabilidade pela Universidade de Piraporinha da Serra, recebeu três vezes o Prêmio Robalo de Ouro, foi assessor econômico do Partido Liberal e é autor do best-seller “Caixa 2: como fazer e esconder”.

Certo, não foi um exemplo muito feliz. Mas a ideia é essa. Esse textinho, teoricamente, tem a função de comprovar o valor do autor e ajudar a vender o livro. O comprador/leitor pode se identificar com a cidade e/ou idade do escritor, ter lido algum livro citado ou se impressionar com os robalos de ouro.

É importante salientar que, em geral, é o próprio autor quem faz estas linhas. Como é algo pessoal e o escritor é quem conhece melhor sua própria vida, cabe-lhe esta tarefa. Sem falar que é uma economia para o editor.

Na minha primeira minibio, em O Chalaça (1994), eu era tão virgem em literatura que, na seção “principais obras e grandes feitos”, tive que colocar um curta-metragem que havia realizado recentemente (Nunc et semper) e os prêmios que ele ganhou nos festivais de Brasília e Clermont Ferrand. Lembro que o Paulo Francis, em sua coluna, comentou algo como: “Parece que ele fez curtas-metragens, mas mesmo assim vou ler”.

De uns tempos para cá, tenho observado uma vertente interessante nas minibios, que é o fato de o autor tentar conectar sua vida com a obra que está sendo lançada. Assim, por exemplo, Ruy Castro, quando fez sua minibio em um livro sobre o Flamengo, citou como foi o surgimento de seu amor pelo clube.

Outra mudança que tenho notado é que, com o tempo, os autores vão parando de contar vantagens e prêmios em sua bio. E também começam a não colocar o ano de nascimento.

Eu, confesso, no meu livro mais recente (Um cara como outro qualquer) fiz uma bio que segue esse novo padrão. Ficou assim:

“José Roberto Torero nasceu em Santos e escreve livros para crianças e adultos. Na juventude, ele gostava de Homem-Aranha, Hulk e Batman. E também das revistas Mad e Chiclete com Banana. Este é seu sexagésimo livro”.

Ou seja, cortei a citação dos prêmios (sim, há alguns, e não só de curtas-metragens; há também os de natação). Mas, em troca, coloquei referências ao mundo dos quadrinhos (porque o livro tem a ver com isso). E, em vez dos principais títulos, disse apenas que publiquei sessenta (sem esclarecer que uns dez saíram apenas digitalmente).

Enfim, evoluí do exibicionismo constrangido para a falsa modéstia. Foi um passo e tanto.

José Roberto Torero

Escritor e roteirista, Torero nasceu em Santos (SP), em 1963. É autor de O chalaça (prêmio Jabuti na categoria romance em 1995) e Os vermes, entre outros. Também é autor de livros de não ficção e de literatura infantojuvenil. Ao lado de Paulo Halm, assinou o roteiro do longa-metragem Pequeno dicionário amoroso.

Rascunho