(11/10/20)
Fiquei um bom tempo em dúvida sobre como deveria ser esta primeira coluna.
Primeiro pensei em fazer uma coluna como se fosse o próprio Bolsonaro escrevendo. Mas acho que ele dificilmente falaria algo interessante sobre literatura.
Depois achei que seria interessante escrever uma carta como se fosse D. Pedro I, na qual ele reclamaria do fato de que a independência está sendo comemorada no dia errado. Para ele, certamente não deveria ser em 7 de setembro, mas em 12 de outubro, data de seu aniversário e da Aclamação no Campo de Sant’Anna, quando houve discurso e multidão.
Pensei também em contar como é um aniversário durante a covid, já que nasci no dia 9 de outubro. Mas também desisti.
Acabei achando melhor usar este espaço para contar como nascem os livros, pelo menos no meu caso. A ideia é mostrar os bastidores da criação sem nenhum glamour, pompa ou ostentação. Mesmo porque os bastidores geralmente são lugares muito bagunçados.
Pode parecer uma ideia egocêntrica. E é mesmo. Mas isso pode me ajudar a entender por que faço as coisas. E talvez, por tabela, mate alguma curiosidade dos leitores, já que em qualquer entrevista, seja para o mais respeitável dos repórteres literários, seja numa escola de crianças recém-alfabetizadas, a primeira pergunta é sempre “De onde veio a ideia para o livro?”.
A história de hoje começa na quarentena, em meados de março. Optei por fazer um isolamento radical. Nada de visitas ou mesmo compras no supermercado. Morrer é a última coisa que quero fazer na vida.
Passei os primeiros dias olhando pela janela. E o que eu via? Outras janelas. De tanto vê-las, comecei a pensar que seria bacana fazer um roteiro sobre janelas. Eu pediria a quarenta amigos que filmassem uma janela por um minuto e inventaria uma história para cada. Então colocaria uma narração em off sobre as imagens e teria um filme, talvez chatíssimo, de quarenta minutos sobre a quarentena.
Mas, naqueles dias, um amigo meu, o ilustrador Ivo Minkovicius, postou em sua página no Facebook um belo desenho de alguns prédios cheios de janelas (é claro que muitas pessoas pensavam em janelas naqueles dias). Daí pensei em trocar os filmetes por aquela ilustração. E o roteiro se transformou em 40 pequenos contos.
Fui publicando as 40 histórias no Face o no Instagram. Elas vinham da imaginação, do noticiário, dos amigos, da família.
Infelizmente, a quarentena não teve apenas quarenta dias. Os textos acabaram antes da pandemia. Como alguns leitores pediram que eu continuasse com as narrativas, e como eu também queria continuar a escrever, decidi fazer as Quarenteninhas, só com histórias sobre crianças (esse já está disponível na Amazon).
Foram mais quarenta microcontos. E novamente eles acabaram antes do fim do isolamento.
Então engrenei a terceira série, as Quaquarentenas, que fala sobre pessoas que não acreditam na pandemia, que dizem que ela é apenas uma gripezinha e que máscara é frescura.
Ou seja, a trilogia nasceu da intenção de fazer um filme sobre janelas. Mas transformou-se em literatura por conta de uma ilustração. Mas as janelas e a ilustração foram apenas pretextos. Os pensamentos e sentimentos sobre a pandemia precisavam arranjar um jeito de sair. No meu caso, esse jeito é contando historinhas.
A gente sempre escreve algo que odeia ou ama. E eu odiei a quarentena, o fato dela prender as crianças em casa e, ainda mais, os negacionistas.
Talvez a pandemia ainda venha a ser assunto de muitos livros, contos e poesias. Ela é quase como uma guerra, com uma grande história coletiva que engloba milhares de histórias particulares. Além disso, tem muitas mortes, salvamentos milagrosos e provas de amor, dedicação e estupidez que revelam muito da alma humana.
Ou talvez a gente tente fazer de conta que ela jamais existiu, com fazemos com o 7 a 1 contra a Alemanha. Não é impossível. Às vezes o brasileiro prefere não ter memória.