Reabilitação

Entre desenhos e blocos de anotações, surge a reflexão sobre “desviciar” o olhar das redes sociais e reinventar modos mais criativos de viver
Ilustração: Eduardo Mussi
07/09/2025

Então eu decidi começar a desenhar para tirar o pensamento do excesso de redes sociais que corroem a gente por dentro. Independentemente da idade. Não apenas os adolescentes e as crianças são vítimas das comparações que matam a diversidade e a esperança. Os adultos também. Quantas vezes, confessem, não nos intimidamos com o sucesso ou com a alegria do outro em momentos difíceis da nossa jornada?

Outro dia, uma das minhas filhas me disse que estava “todo mundo” na praia, menos ela. Era um domingo de sol e ela estava com a família, os cachorros, em um quintal ensolarado, com boa comida e paz. Mas, naquele momento, sua vida estava sendo medida pela régua dos outros que estavam na praia. A régua da felicidade.

Tentei argumentar de uma forma bem básica que as pessoas são diferentes na essência. Por exemplo: alguns são patos, outros formigas, e fica impossível comparar a passagem pelo planeta de formas e vidas tão distintas. Por mais que a formiga se esforce, nunca será um pato — e vice-versa. Não há julgamento de valores nem hierarquia, apenas existências diversas em sua complexidade e beleza.

Foi pensando em momentos assim que eu decidi começar a desenhar para me desconectar deste mundo tão cheio de ilusões de ótica. Eu estava com meus bloquinhos e o estojo equipado, fazendo um desenho simples, quando essa mesma filha me disse: “Parece que você está em uma reabilitação”.

Respondi: “Estou”.

Achei o termo preciso. Estou mesmo reaprendendo a viver da forma como eu vivia, sem a necessidade urgente de olhar e desejar a vida dos patos, sendo eu uma formiga. Ou o contrário, não importa. Chega uma hora em que multiplicar os caminhos e as possibilidades de atuação no mundo é mais do que necessário; é urgente. Para não repetirmos sempre as mesmas rotinas, para experimentarmos algo novo e inusitado e aprendermos que podemos ter mais talentos do que imaginávamos.

Grudar a alma nas redes sociais me parece mais aborrecido do que olhar vitrines em um shopping, mas acaba viciando. Quem não?

Por isso, a ideia da reabilitação: tentar “desviciar” o olhar e reaprender a estar no mundo de uma forma mais criativa. Fica a dica.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

Rascunho