Paisagens também podem ser nossas madeleines. O bolinho-gatilho da memória de Marcel Proust age de diferentes formas de acordo com o mecanismo de recordações de cada um. Para mim funcionam as paisagens e as estações do ano em determinados pontos do mundo.
Agora por exemplo. Pela primeira vez estou nos Estados Unidos durante a primavera daqui. Quando abri a janela, outra paisagem, mais distante, me veio. Estou de volta ao final dos anos 1990 e minha mãe me visita na Holanda. Estamos na pequena cozinha do alojamento de estudante. Ela de pé em frente à janela de cortinas azuis. Não é primavera, mas o começo do inverno. Assim como eu pela primeira vez me deparo com a estação amena aqui nos EUA, minha mãe pela primeira vez via os farelos de um começo de neve. Era bem fininha mesmo, mas era neve. Ela já tinha mais de 70 anos e nunca tinha visto neve.
Ficou tão emocionada que disse: “Um presente para mim!” — como as crianças sempre pensam que tudo o que acontece de bom ou ruim é para elas…
Ficou estática durante um bom tempo vendo aquela mínima neve cair. Eu já tinha me esquecido daquele momento lindo até que a primavera americana surgiu só para mim. A madeleine da paisagem atuou como gatilho de memória.
Falando com uma turma de jovens sobre crônicas, eu disse para ficarem atentos ao momento. Um tema pode surgir quando somos permeáveis ao tempo; quando prestamos atenção mais às formigas do que aos elefantes. Quando digo “tempo” me refiro não só ao presente, mas ao passado e ao futuro. A memória pode fazer acontecer temas inesperados e importantes, e o texto funciona como pequeno frasco onde guardamos o que não queremos que se perca de novo jamais. Quanto ao futuro, as palavras nos fazem lembrar dos sonhos que ainda não concretizamos a não ser na memória que não criamos na realidade, apenas na imaginação.
Ao escrever sobre a neve que foi presente para minha mãe naquela fria manhã de outubro de um ano que se perdeu, coloco aqui no “frasco” do texto-memória uma lembrança eterna. Paisagens podem ser madeleines.