Olhar para o céu

Em meio às turbulências diárias, uma espiadela em direção ao céu pode ser uma forma de descobrir se estamos no lugar desejado
01/10/2023

Sempre que eu chego a uma cidade, olho primeiro para o céu — é a primeira “paisagem” que eu observo. Nunca erro. Quando gosto da sensação de acolhida do céu, é porque vou gostar de estar ali. Já fiz o teste com vários lugares. Recentemente vi alguns céus igualmente amorosos comigo, mas outros sempre me foram hostis. Isso é muito pessoal; há os que amam as cidades e os céus dos quais prefiro estar sempre longe.

Outra paisagem que me desperta ressonâncias é o pôr do sol. Difícil seria viver em uma cidade sem um entardecer iluminado, pois a palavra crepúsculo já disse a que veio. Há entardeceres profundamente angustiantes e depressivos, como há os que embalam nossa coragem para o dia seguinte. Vivo em uma cidade que tem um entardecer que, para mim, é acolhedor, mas já ouvi pessoas que sentiram um profundo incômodo exílico do Rio de Janeiro e adiam ao máximo a ideia de retornar.

As paisagens têm vida, alma. Elas se conectam com a gente e vice-versa. Pode parecer uma conversa doida e talvez seja. Só que somos seres que precisam estar em sintonia com o ao redor e seria lindo se cada um pudesse viver onde se sente melhor e mais feliz. Isso aliviaria metade do sofrimento do mundo.

Estar em um local que nos causa desconforto geográfico atrapalha o desenvolvimento de tudo o que nos propusemos a criar. Existem alguns que são mais sensíveis às interferências externas, e esta sou eu. Outro dia voltei a uma cidade muito fria, mas rodeada de amigos. Vários deles adoram o clima, vivem felizes encapotados. Eu confesso que passo os dias que preciso passar ali e me retiro rapidamente para onde haja sol e calor. Penso logo em Abert Camus e nos ensaios que escreveu em O avesso e o direito. Em um deles escreve sobre isto: a lembrança do sol em sua infância e a eterna memória dos dias quentes como algo que faz parte de tudo o que ele se tornou.

Olhar para o céu, no meio das nossas turbulências diárias, pode ser uma forma de descobrir se estamos no lugar onde queremos estar, fazendo o que queremos, ou se há sonhos e paisagens que esperam por nós.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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