Grande parte da minha infância eu vivi no tédio profundo. Meus pais dormiam tardes inteiras nos fins de semana. Os passeios em família se resumiam a uma parte da manhã e eram sempre os mesmos. As férias idem. Não houve uma só em que testamos outros destinos. Nunca houve tentativa de sair de qualquer roteiro para experimentar o novo.
Meu irmão e eu sobrevivemos evitando o naufrágio cada um a seu modo. Ele brincava de mágico. Tinha todos os apetrechos e ficava no quarto fingindo que poderia tirar coelhos das cartolas.
Eu acendia a imaginação e conversava sozinha; na verdade, criava diálogos com personagens de uma novela que eu inventava, fazendo todas as vozes e assumindo diversas personalidades. Eu era muitas.
Assim chegamos (não ilesos) à fase adulta. Eu virei escritora e ele se lançou no mundo, vivendo em vários cantos do planeta.
Ambos optamos pela fuga, cada um a seu modo. Acho que devemos isso ao tédio e àquelas tardes vazias e sem nenhum tipo de empolgação para absolutamente nada além de ir até o mercado e comprar muçarela fresca. Era o ponto alto das tardes do domingo.
Claro que modifiquei esse sentimento em narrativas da infância romantizando situações aborrecidas. Assim é que a memória sobrevive ao caos. A imaginação é a grande tábua de salvação do ser humano.
Consigo perceber que o excesso de imaginação, por outro lado, deu vazão a uma incrível ansiedade quanto ao futuro. São tantos pensamentos por hora que nem sempre controlo e obviamente dou passagem para as trevas. As horas vazias ainda me assombram…
O contrário nem sempre é a melhor fórmula, e encher os dias da infância com atividades também pode não ser ideal. O que me fez falta foi acima de qualquer coisa a falta de animação e empolgação diante de vida. Algo que eu tento compensar enchendo meus pulmões e a minha casa do presente.
A vida é assim: a gente refaz o caminho percorrendo o que não teve a chance de ter…