Museu de cartas

Um retrato nostálgico da era das cartas, quando “postar” significava esperar, sentir cheiros e viver o mistério da distância
Ilustração: Eduardo Mussi
03/08/2025

Antigamente, postar era caminhar até a esquina com um envelope no peito e o coração na mão. Havia o ritual: dobrar a carta, lamber o selo, caprichar no nome do destinatário com letra bonita. E a resposta, se viesse, chegaria depois de algum tempo — muito tempo, às vezes —, na direção de alguém que suportava o peso de uma ansiedade imensa. Hoje, postar virou apertar um botão: uma imagem, uma frase, uma dança, uma comida. Tudo é agora. Tudo é já. Posta-se no café da manhã, no trânsito, antes de dormir… O mundo virou um mural infinito, com bilhetes voando sem envelope, sem carimbo, sem silêncio e sem espera.

É impossível transmitir para a geração Instagram o que seja aguardar a chegada do correio. Não saber onde está a pessoa querida, ter de aguentar uma longa espera quando não se tem o telefone em mãos ou não se pode simplesmente ligar. O mistério de onde estamos agora é raro. Se ninguém souber onde estou, não estou em lugar nenhum. Não vale a pena viajar ou existir. Quem irá recuperar isso?

Eu me lembro de que as cartas tinham cheiro. Sim, quando abríamos um envelope, podíamos sentir o cheiro do papel e até da casa onde a carta havia sido escrita. Quem nunca fez isso? Pode parecer ridículo para quem não viveu esse tempo. Mas vamos combinar: muita coisa de hoje também soa ridícula para os olhos de ontem, apesar de a tecnologia ser realmente algo incrível.

Nostalgia à parte, seria bom que os jovens e as crianças saboreassem um pouco do que era a espera pelas cartas. Há alguns anos, uma professora de um dos colégios que visitei, chamada Fabíola, fez um trabalho maravilhoso com as crianças a partir de um dos meus livros, Amor de longe. Ela criou um laboratório de escrita de cartas ao ar livre, no jardim da escola. Cada um, no seu canto, escrevendo, e só depois o destinatário descobria quem era o seu remetente. Ficou lindo.

Acho que alguns desses momentos podem ser recuperados, como se fosse um museu de cartas. Ninguém vai conseguir levar até a geração de hoje o sentimento da espera, mas, quem sabe, tentar mostrar ao menos um pouco do que era viver no tempo em que “postar” era um verbo completamente diferente.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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