Meu mundo antigo

A saudade de um tempo em que não era preciso viver diariamente a vida virtual
Ilustração: Thiago Thomé Marques
04/06/2023

Outro dia li uma pergunta de uma conhecida no Facebook, que lançava uma destas pesquisas aleatórias. Ela queria saber: “Quando vocês perceberam que tinham ficado velhos?”. A pessoa ainda não entrou na terceira idade, mas tinha detectado o momento em que a vida fez a curva. Quase respondi, não fosse minha preguiça por redes sociais. Respondi na mente.

Percebi que tinha envelhecido quando me veio ao pensamento a ideia de que o mundo atual anda muito chato. Somado a isso, ando às voltas com uma série dos anos 1990, que eu adorava, esperava a semana toda para ver e agora vejo o milagre pela fresta do tempo. E subitamente estou de volta àquela época em que não havia celulares, ninguém comandava os passos de ninguém, éramos livres e não sabíamos. As pessoas se visitavam, tinha interfone para saber quem estava subindo. Havia surpresas com chegadas e partidas.

As mensagens dos celulares e as redes em que todos sabem onde todos estão destruíram o elemento surpresa da vida social. Além disso, a conversa presencial perdeu fôlego. As pessoas têm falado menos, convivido menos, se visitado menos. É claro que não sou tão dinossáurica assim. Gosto dos imensos avanços tecnológicos e preciso deles. Mas tenho saudade de não precisar viver diariamente a vida virtual…

Quando acordo, e o celular está desligado, eu me preparo. Vivo alguns instantes longe do virtual como se tivesse apenas uma existência — a real, a presencial. Prestávamos mais atenção em nós mesmos, com menos comparações e cobranças. Tínhamos mais tempo para saborear a nossa própria passagem pelo mundo… Tudo isso eu penso enquanto o celular está offline. Por momentos, estou na minha vida de antes do antes, nos anos 1990, mais ou menos, quando eu ainda não tinha envelhecido e entedia como velhos aqueles que achavam que o mundo antigo era melhor…

A minha outra eu, que vive no mundo online, é acionada quando eu ligo o celular e aí passo a viver duplamente, o que é cansativo demais, embora necessário.

Talvez seja por isso que se morre. Por não conseguirmos acompanhar todas as mudanças ou simplesmente por não querermos acompanhar todas as mudanças. Chega uma hora em que o mundo de antes era melhor, pois a vida de antes tinha o nosso viço. O tempo nos faz exaustos e seguir o fluxo nem sempre é fácil. Sobretudo nos tempos de hoje em que se é obrigado a viver duplamente…

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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