Escrever para quem?

Querer saber se os livros chegam aos leitores e fazem alguma diferença no mundo deles é fundamental para quem escreve
Ilustração: Eduardo Mussi
06/08/2023

Atire as primeiras palavras o escritor que nunca pensou em deixar de escrever, desistir, emudecer de vez, por achar que não há ninguém na escuta. Devo confessar que me sinto exatamente no meio desta encruzilhada. Penso que já escrevi o que tinha que escrever — infantis, juvenis, romances, contos… Já publiquei os livros que eu quis, da forma como eu quis, por ótimas editoras. Mas não basta. Não quero continuar publicando livros e mais livros. O que importa agora é ouvir o eco, saber que, no deserto por onde caminho, o que eu escrevo chega aos leitores como possibilidade de transformação.

Isto é muito difícil: fazer com que sejamos de fato lidos ou ouvidos quando se trabalha com livros em um país de não leitores. Quero dizer, em um país onde a leitura é ainda pouco valorizada. Apenas, talvez, os autores mais vendidos sabem que são lidos. A maioria lasca as rochas e persiste no escuro sem saber para onde vão as palavras.

Me sinto exatamente nesta escuridão e por isso um sentimento forte de inutilidade me invade. Sei que há muito o que celebrar e só de conseguir publicar livros por boas editoras é um motivo de aleluia. Chega um momento em que isto não basta. Querer saber se os livros chegam aos leitores e fazem alguma diferença no mundo deles é fundamental para quem escreve. Seguir em frente, insistir em percorrer este deserto, é um ato solitário demais. Por isso, decidi que não vou mais escrever livros — até que se prove o contrário.

Vou publicar o que já está pronto e de alguma forma fazer circular o que, ao longo de dez anos, consegui criar. Meus livros são o meu olhar sobre a vida, minhas histórias são resultado da minha passagem pelo planeta. Vão ficar depois de mim. Uma espécie de garrafa no mar. Quem a encontrará?

Sei que parece um enorme desalento tudo isso. Realmente é. Escrever na escuridão é um desalento mesmo. Por isso, acendo aqui uma pequena vela, neste espaço compartilhado da crônica, para no meio desta clareira espalhar a notícia do meu deserto. Talvez amanhã tudo mude e eu queira escrever por achar que meu trabalho faz alguma diferença no mundo — espero que sim.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

Rascunho