Aos que desacreditam

É preciso ouvir os apelos daqueles que acreditam em nós e compartilham nossa paixão pelas palavras
Ilustração: Amy Maitland
07/04/2024

Para minha amiga Nilma Lacerda

Mais difícil do que receber votos de desconfiança por parte daqueles que não nos conhecem é saber que algumas pessoas com quem convivemos de perto desacreditam dos nossos acalentados sonhos. Sim, é o meu caso. Várias vezes ouvi minha mãe dizer que eu seria uma excelente advogada. Nunca me interessei por Direito. Fiz Faculdade de Comunicação, segui depois o caminho dos livros para sempre. Larguei o jornalismo para me dedicar àquela coisa que não tem nome, pois minha mãe não acredita sequer que literatura possa ser uma carreira. Sinto como se cada palavra de desconfiança fosse um peso maior, uma pedra a mais no meu trajeto.

Ando pulando as pedras naturais do percurso — que são inúmeras — além daquelas que me são lançadas pela desconfiança. Eu só teria sucesso na inominável literatura se ganhasse dinheiro. Este futuro ainda é incerto apesar de 20 livros nos mais diversos gêneros em 20 anos de carreira, o que não tem valia, pois não pesam matematicamente em termos financeiros. Dureza em todos os sentidos, não é?

Tenho que me lembrar sempre de que eu tracei uma linha reta até um horizonte e não vou desistir. Não vou largar o que já conquistei, embora não faltem apelos para isso no ambiente familiar. Procuro me amparar nas paredes que me abrigam e me sustentam e, especialmente, pegar a mão dos que partilham os mesmos sonhos — reconhecimento e independência financeira — para não perder o que caracteriza minha pessoa literária: o entusiasmo.

A palavra desencorajadora tem mais peso quando é dita por familiares. Todo um mundo pode desacreditar de nós, mas quando alguém muito próximo lança a primeira pedra é como se ficássemos acorrentados…

Outro dia recebi por parte de uma grande amiga palavras tão confortadoras que achei que poderia fazer delas uma espécie de patchword para me cobrir destas intempéries de desconfiança. Ela dizia que “a gente precisa ter a convicção de que faz o melhor que pode e seguir. Talvez não sejamos nunca reconhecidas na medida de nosso talento, talvez sejamos tardiamente, talvez sejamos amanhã. Quem sabe? Mas essa conversa pede uma garrafa de vinho. Beijos”.

Um brinde ao fato de fazermos o que acreditamos e seguir. Lindo e verdadeiro. Não é fácil fazer ouvidos surdos para quem não confia nas sementes que lançamos em campos diversos, mas é preciso dilatar os esforços para ouvir os apelos que nos fazem os que acreditam em nós e compartilham nossa paixão pelas palavras e por tudo de bom que pode nascer a partir delas.

Como escreveu Clarice Lispector, é muitas vezes o “apesar de” que nos impulsiona. Não sei até que ponto isso é verdade. Confesso que eu queria ter tido desde cedo o aval e o aplauso na casa da infância, mas por algum motivo que por enquanto desconheço, as coisas não se fizeram desta forma. É seguir ou seguir… Até porque eu não me arrependo de não ter feito Direito e não saberia viver se não pudesse espalhar minhas palavras e minhas histórias, com inteira dedicação, mundo afora.

A crônica é uma confissão para dividir o desalento com quem sente o mesmo que eu. Vale a pena seguir fazendo o que se acredita quando nenhuma outra possibilidade de vida seria mais verdadeira do que aquela que se escolheu.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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