Feriado. Cinco dias sem um horário a cumprir. Não tenho nem roupa para isso.
Adoro samba mas tenho uma relação nem tão linear assim com o carnaval.
Fomos, amigos e eu, a um bar que só contrata pessoas trans. Saí decepcionadíssima porque não vi uma única pluma, nenhuma drag, nada. Profissionais atenciosos, educados e… uniformizados. Sábado de carnaval eu espero que até o hetero cis branco de meia-idade careca barrigudo de centro esteja brilhando feito um vaga-lume. Um fracasso.
Eu não me fantasio no carnaval desde a infância, quando os dinossauros ainda andavam sobre a Terra. Entretanto, adoro ver as pessoas fantasiadas, dançando, cantando nas ruas. De preferência, sentada em um lugar com ar-condicionado. É quase um documentário da Discovery. Adoro que aquilo exista, mesmo que eu não queira fazer parte diretamente.
A origem da fantasia carnavalesca é uma certa transmutação temporária, uma válvula de escape da realidade. É um jogo psicossocial. Não vejo grandes diferenças entre uma pluma e um videogame e podem, ambos, fazer a diferença para a saúde e o bem-estar das pessoas. Zero críticas, aqui.
No bar tocava funk. Todo um inferno particular. O gênero musical como movimento de resistência social precisa existir e eu espero que sua pauta seja ouvida e respeitada. Como melodia, eu prefiro no modo silencioso.
Lá pelas tantas aparece uma dupla fazendo uma “ação” (de marketing). Queriam tirar nossa foto segurando o produto maravilhoso sensacional único cheiroso vitaminado lá deles e, em troca, ganhávamos uma polaroid dessa cena ridícula. Eu já teria achado um desaforo se me oferecessem uma amostra do produto. Era um energético, que eu não tomo, mas ainda assim. Recusei. Na primeira vez, recusei educadamente. Na segunda vez, recusei estupidamente. Tudo bem perguntar, você está trabalhando, boletos e tal, tudo bem. Mas não é não, colega. Inclusive para as incríveis ofertas do capitalismo. Outro fracasso.
No caminho da volta, ainda cedo, vejo que o parque está aberto. Corro em casa, pego Nina e desço. Chegamos bem em tempo de ver os policiais fechando o portão do parque. Mais um fracasso. Nina, felizmente, não pareceu ligar. Caminhamos bastante, vimos um monte de gente estranha. E, enfim, as prometidas plumas e paetês.
O sábado de carnaval, afinal, foi um enorme sucesso. Vi pessoas queridas e Nina fez amizade com um alce. Quer dizer, pelo menos até o momento em que os chifres caíram e os dois, Nina e o ex-alce, usaram o adereço como cabo de guerra. Tudo bem, seus chifres, suas regras. Acho, inclusive, que doravante também irei rasgar com os dentes os chifres que a vida me der.