Sábado próximo passado

Algumas possíveis questões levantadas durante uma roda de conversa na Flip
Ilustração: Thiago Lucas
29/11/2023

Neste sábado, dia 25 de novembro, se tudo der certo, eu terei participado de uma roda de conversa na Flip, juntamente com os escritores Isabela Sancho e Augusto Meneghin. Estou escrevendo esta crônica um dia antes de ir para a Casa Urutau, em Paraty.

Mas por que publicar aqui sobre um evento que, nesse momento da escrita, ainda nem aconteceu? São várias as razões.

Uma delas é que não conseguirei falar tudo o que ensaiei.

Sou péssimo em oratória, desorganizado como palestrante, e costumo ter perdas de memória momentâneas durante declarações públicas. Assim sendo, cumpre deixar registradas, em letra de forma, minhas ideias para a oportunidade.

Vamos então ao que gostaria de ter proferido na Feira, lembrando que o tema de nosso papo terá sido Literatura e assombro: os bosques da imaginação.

De pronto, a proposta da roda me sugeriu que a literatura oferece uma oportunidade para nos perdermos (e talvez nos encontrarmos) em pensamentos e fantasias complexas. A presença do “assombro” indica que, através da leitura e da escritura, podemos experimentar um senso de deslumbramento e surpresa, à medida que exploramos ideias e conceitos que transcendem o ordinário.

No entanto, logo em seguida, a palavra assombro me remeteu a um sobressalto ainda maior: o espanto diante da própria literatura brasileira. Uma arte em que um cronista, finalista do prêmio Jabuti, no gênero Crônica, decreta a morte da… crônica. Esse gênero nascido em tempos bíblicos, que já passou por “n” formatações, poderia se finar assim? Então, pela mesma premissa, assistiremos ao fim da poesia, do romance, do texto teatral?

Sim, talvez eu tenha começado abrindo minha fala plantando essa provocação aos ouvintes. E, como de costume, agregaria mais exemplos associados à ideia de assombro:

“Outro motivo de estranhamento na nossa literatura é a tendência de cancelamento do humor, em especial nas redes sociais. Como cronista que usa a comédia em quase tudo, pergunto: de qual humorista importante vocês se recordam atuando na Alemanha nazista? Ou na União Soviética, de Stálin? Nenhum? Sim, é verdade. Porque a primeira coisa que uma sociedade discricionária promove é o desaparecimento dos bufões” — é bem provável que eu tenha levantado algo do tipo na conversa de sábado próximo passado, na Flip.

Na sequência, a fim de deixar a questão do cancelamento no ar, posso ter promovido a leitura de uma ou duas crônicas mais leves. Ou, quem sabe, meia dúzia de aforismos cortantes. Sempre caem bem em situações do tipo.

O fecho de meu depoimento certamente foi de caráter esperançoso. Algo como estarmos pasmados por temores, mas ainda existir uma mostra literária como a paratiana. Num país com níveis tão críticos de interesse pela leitura, um evento com tais características precisaria ser apoiado com brio e alegria.

Após isto, uma piada para quebrar o gelo, e fim dos nossos serviços. Apesar de que, como me conheço, capaz de, à la Tim Maia, eu ter dado o cano e nem aparecido na roda de conversa.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

Rascunho