Não tenho conhecimento de outra coluna dedicada exclusivamente à tradução num veículo jornalístico hoje no Brasil. Pode ser que haja, mas não conheço. A única coluna de tradução regular de que tenho notícia foi publicada no jornal carioca Diário de Notícias, mas isso na década de 40. Chamava-se Exame de Tradução e era escrita pelo polígrafo e tradutor mineiro Agenor Soares de Moura, conforme nos informam José Paulo Paes e Paulo Rónai, dois grandes nomes da tradução no Brasil.
Em vista disso, esta coluna nasce como espaço privilegiado para a discussão da tradução — oportunidade única tanto para mim, como tradutor e estudante de tradução, quanto para a comunidade interessada em tradução, sejam leitores sejam tradutores. De fato, a tradução padece de um problema crônico de falta de espaço institucional, em todos os campos: na imprensa, no mercado editorial, na academia.
Na imprensa, a tradução é geralmente a vilã. Se o texto traduzido ficou bom, méritos do autor do original. Se ficou ruim, culpa do tradutor, mesmo que o original seja ainda pior do que a tradução. Na verdade, as críticas de obras traduzidas que se lêem hoje nos jornais e revistas geralmente primam pelo completo desprezo do ato tradutório. É como se o texto passasse, mecanicamente, da língua original para o português. E isso num país em que boa parte da produção editorial são traduções. O Brasil é o país da tradução. Estima-se que as obras traduzidas, primordialmente do inglês, perfaçam 80% do mercado. É algo difícil de ignorar.
Mas ignora-se. Um índice disso é o parco catálogo de obras sobre tradução no país. Pouco se publica sobre tradução, e o que se publica geralmente tem circulação restrita aos meios acadêmicos. Obras que conseguem passar da primeira edição, como A tradução vivida, de Paulo Rónai, são raríssimas exceções. Mais um sinal do descaso para com a tradução.
Na universidade, a tradução ainda engatinha em busca do seu espaço. Espremida nos cantos dos departamentos de letras, lingüística ou literatura, a tradução luta por se afirmar como disciplina autônoma. Mas por muitos é ainda ignorada e relegada a segundo plano, apesar de haver já certo número de cursos de graduação em tradução, principalmente em São Paulo. No campo da pós-graduação, há algumas especializações — inclusive a da PUC-PR, em tradução inglês-português — e certo espaço em mestrados e doutorados, vinculados principalmente à lingüística aplicada. Vale ressaltar o pioneirismo da Unicamp, de Campinas, que é a única universidade hoje no Brasil a conferir os graus de mestre e doutor na área de concentração “tradução”.
É lógico que esta coluna não se arroga a tarefa de corrigir esse quadro. Porém, acredito que possa ajudar a iniciar um diálogo proveitoso — com o leitor e os profissionais da tradução —, um diálogo que indique rumos melhores para a “disciplina”, se é que podemos chamá-la assim. Não será um espaço apenas para a crítica de traduções, mas especialmente um espaço para uma contracrítica, um espaço em que os tradutores — e os estudantes, estudiosos e profissionais da tradução — tenham voz. E, por que não, um espaço para a discussão das grandes linhas teóricas que norteiam hoje o ofício. Já é muito para espaço tão breve.
No mais, longa vida ao Rascunho e até a próxima coluna . . . se Deus quiser e se o padroeiro dos tradutores, são Jerônimo, ajudar.