Translato

O título é uma clara referência a um dos grandes tradutores e estudiosos da tradução que teve o Brasil.
01/01/2006

O título é uma clara referência a um dos grandes tradutores e estudiosos da tradução que teve o Brasil. Autor de Tradução: a ponte necessária, José Paulo Paes é uma referência fundamental na tradução e na análise da tradução. Seu livro sobre o tema, individualizado por um título de rara felicidade, é um marco entre as publicações brasileiras do gênero.

Armado de toda uma vida de traduzir — já eram 40 anos de atividade em 1990, ano de publicação da Ponte necessária —, o poeta-tradutor teve sensibilidade para temperar a experiência com a reflexão, habilitando-se para escrever uma obra que hoje se pode considerar clássica.

Vamos por partes. A obra começa com um capítulo seminal sobre a tradução literária no Brasil. O capítulo-ensaio sonda um terreno até então muito pouco explorado por aqui: a história da tradução literária. Foi, talvez, até a publicação do livro de Lia Wyler (Línguas, poetas e bacharéis: uma crônica da tradução no Brasil), em 2003, a única tentativa de registrar a trajetória desse ofício no Brasil.

O segundo capítulo é um ensaio inspirado sobre a tradução de poesia. Poeta, Paes entendia como ninguém a dificuldade de reconstruir um poema em outra língua. Soube, como poucos, partindo de suportes teóricos fortes e referências francamente eruditas, arranhar fundo a carne dessa esfinge que é a tradução da poesia. Caso-limite da problemática da tradução, como o próprio Paes indica, a tradução da poesia é mostrada com simpatia incomum. Mais: com aberto otimismo, como convém a um tradutor. Ao final, o Éden do possível fica como resposta à velha maldição babélica.

Três outros capítulos são dedicados a reflexões sobre seu próprio esforço tradutório. Paes narra, com estilo e sabor, suas aventuras ao traduzir textos do grego moderno (Karyotákis e Kazantzákis) e do inglês (Sterne). É nesses textos que se percebe, com mais nitidez, a tenacidade e o esmero que Paes aplicava a suas traduções.

Um capítulo singular traça um perfil do Manuel Bandeira tradutor. Não só do Bandeira dos Poemas traduzidos, mas também aquele de O tesouro de Tarzan, dentre outras obras ditas “comerciais”, para não falar nas traduções de telegramas noticiosos. Paes, em trabalho de paciência, remonta o que seria a teoria, ou a ótica, tradutória de Bandeira: um espírito preso no atrito natural entre o artista-poeta e o artesão-tradutor.

Capítulo curto é dedicado a uma reflexão sobre um ensaio de Milan Kundera a respeito da tradução. Checo, Kundera padece, como nós, do isolamento crônico de uma língua “exótica”. Daí a quase necessidade de meditar sobre a tradução, de que ele, Kundera, aliás, se diz vítima. E, vítima, arremete contra seus agressores, os tradutores. Mas lhes reserva, ao final, na narrativa de Paes, uma palavra de reconhecimento e quase-consolo, tachando-os de “modestos construtores da Europa, do Ocidente”, por brindarem a todos nós com essa coisa que se pode chamar de “espaço supranacional da literatura mundial”.

Paes encerra sua Ponte necessária com um capítulo dedicado à (praticamente inexistente, ainda hoje…) crítica de tradução. É um ensaio curto, em que intenta mapear o terreno e os limites de um ofício. Um ofício que permanece no terreno do possível, mais que no plano real. A frase que resume o capítulo é também uma pá de cal em qualquer proposta de crítica de tradução no Brasil: “Ressaltar e aferir valores é a tarefa precípua do crítico de tradução, o qual pouco tem a fazer quando eles escasseiam”.

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

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