Diria Leminski que as traduções são mais enriquecedoras quando acompanhadas do texto de origem — fórmula que possibilita saudável comparação entre o original e o resultado da tradução. O ideal, como forma de apresentar uma tradução, seria a edição bilíngüe, a “pedra de Roseta”, que fornece a chave da tradução e indica os caminhos tomados pelo tradutor no trajeto do original ao texto traduzido.
A Antologia poética ibero-americana (Asociación de Agregados Culturales Iberoamericanos, 2006), organizada pelo equatoriano Gustavo Pavel Égüez, tomou esse caminho, o da apresentação bilíngüe, facultando ao leitor que conhece os dois idiomas (espanhol e português) o cotejo entre o poema tal como foi escrito e seu duplo, tal como foi traduzido.
A antologia traz três poetas e três poemas de cada um dos 22 países ibero-americanos, com dados biográficos de cada autor. Pelo Brasil, foram escalados Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens e Augusto dos Anjos. Talvez não por acaso, três poetas nascidos no século 19, mais ou menos contemporâneos e vinculados, em maior ou menor grau, ao simbolismo. As traduções ficaram a cargo dos brasileiros Anderson Braga Horta, Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera.
Dos demais países, há nomes bem conhecidos, como Borges, Cortázar, Neruda, José Martí, Quevedo, Rubén Darío. Trata-se de amostra homeopática de cada poeta (solitário poema apenas), mas tem o mérito de reunir em um só volume panorama relativamente amplo (66 autores) da poesia ibero-americana.
A apresentação bilíngüe parece ainda mais útil em face da proximidade das línguas. A comparação se torna mais transparente. Não pretendo desprezar as sutilezas e dificuldades próprias da tradução entre idiomas próximos, mas o parentesco entre português e espanhol permite, mesmo ao leitor com conhecimentos limitados da outra língua, ensaiar um confronto entre o original e sua tradução.
A pedra de Roseta está aí, à disposição do leitor. A chave que revela o modo de pensar do tradutor, que pode indicar seu grau de domínio dos idiomas e até denunciar possíveis deslizes e afobações. Na dúvida (que não raro assalta o leitor atento de traduções), é possível consultar o original. Se o verso soa esquisito, ao lado está o original (talvez igualmente esquisito, talvez melhor, talvez pior). Mas poesia é poesia. Sempre se pode alegar a licença poética, e, com ainda mais forte razão, a licença da tradução da poesia.
As possíveis equivalências textuais e as realizações mais felizes do gênio criativo do tradutor, mas também os inevitáveis desvios semânticos, sintáticos, rítmicos e outros, estão à mercê do crivo impiedoso do leitor. Para o tradutor, é uma espécie de prova de fogo. Ali todas as virtudes, todos os defeitos estão à mostra. Principalmente os defeitos, que sempre sobressaem mais numa tradução. É, para o tradutor, a divisão dos louros e a potencialização dos riscos.
O número de alternativas possíveis de traduções corretas de um dado verso é, em princípio, praticamente infinito. Em princípio, aliás, o número correto de alternativas possíveis de traduções corretas de uma dada frase, de prosa ou poesia, é virtualmente infinito. Sempre se poderá atribuir graus de correção, mas também sempre haverá alguma margem de subjetividade, o que torna a opinião taxativa um exercício perigoso (embora válido). A edição bilíngüe tem o mérito de apresentar a matriz ao leitor, para que ele tire suas próprias conclusões.