Há palavras que parecem resistir à tradução, quase tanto quanto alguns tradutores e intelectuais resistem a traduzir. O conceito de resistência tem, de fato, um poder explicativo admirável, e parece vivamente útil em qualquer estudo sobre tradução e, num horizonte mais largo, sobre a língua em si.
Não faltam exemplos de palavras que resistem à tradução. Termos relativamente antigos como futebol ou relativamente recentes como download (já dicionarizado no Aurélio Século 21) parecem resistir com força tremenda. A explicação mais óbvia para essa “intraduzibilidade” é a novidade do termo, a carga de singularidade que, para a tradução, como que exige neologismo. Mas o aportuguesamento ou a simples incorporação da palavra estrangeira são muitas vezes opções mais fáceis.
Casos mais renitentes de resistência, pela óbvia facilidade da tradução, são palavras como “attach” (usada na informática) ou “paper” (usada no mundo acadêmico). A aparente obviedade de traduções como “anexar” ou “artigo” se desfaz diante da persistência dos termos estrangeiros, que se insinuam no português quem sabe por modismos ditados pelo fascínio do estrangeiro, pelo prestígio associado à língua estrangeira, especialmente ao inglês.
Fascínio e prestígio talvez ajudem a explicar a resistência à tradução. Mas o intelectual ou o profissional que deixa de traduzir talvez ceda também à clara tentação de não pensar. Por que esquentar a cabeça pesquisando, refletindo, procurando o melhor termo… se se pode tascar logo a palavra estrangeira? É a preguiça, a inércia mental construindo resistências.
Nisso me aproximo de um Aldo Rebelo e seu projeto de proteção do português contra o inglês. E nisso também há resistência, a minha resistência à língua estrangeira. Resisto sabendo que a causa é perdida. Para quê, afinal, resistir a um movimento que parece inelutável? A marcha da língua, sua dinâmica e progressão, não é fácil de conter. E a resistência à tradução traz novas palavras para a língua.
Nesse processo, o idioma se enriquece. O próprio inglês se tornou o que é hoje, com um léxico imenso que abarca mais de 500 mil palavras nos bons dicionários (Oxford, Merriam-Webster), porque foi incorporando insaciavelmente palavras do latim, do grego, do francês, até do português. Perto do inglês, o português parece pobre, com dicionários que mal chegam a 150 mil palavras…
Mas não só nisso reside a relativa pobreza do português. Também há forte resistência à maleabilidade. Em português, às vezes é quase heresia usar instrumentos prosaicos como prefixação e sufixação. “Imexível”, por exemplo, foi execrado não só em função de seu criador, mas de uma resistência arraigada à maleabilidade. No português, ao contrário do que se vê no inglês, não há espaço para criar, para juntar palavras, para montar termos novos, mesmo que os elementos sejam todos portugueses. Que há de mais português que “imexível”? O prefixo “i” ou “in”, do latim, é perfeitamente aceitável, tanto quanto o sufixo “ível”, igualmente latino.
Mas resistimos, com resistência feroz. Resistimos ao poder criador da maleabilidade, que tanto beneficia o inglês, abrindo mão de um instrumento poderoso de sofisticação do pensamento. Deixamos de lado a síntese para recorrer à paráfrase. O gosto pela prolixidade… Como resistir?