Não se pode falar de tradução no Brasil sem citar o húngaro-brasileiro Paulo Rónai. Morto em 1992, Rónai deixou como legado uma longa lista de traduções literárias e uma obra importante na área dos estudos da tradução. A primeira edição de um de seus livros clássicos, A tradução vivida, faz 30 anos em 2006.
A tradução vivida é uma reunião de conferências sobre tradução ministradas pelo autor em 1975. Publicada no ano seguinte pela Educom, a obra conquistou público relativamente bom para um livro considerado “técnico”. O segredo: um estilo ao mesmo tempo inteligente e sedutor, que cativou o leitor e caracterizou o autor. Sucesso para os padrões editoriais brasileiros, a obra ganhou em 1981, pela Nova Fronteira, uma segunda edição, revista e ampliada.
Rónai não foi exatamente um teórico da tradução, nem mesmo um estudioso da matéria do ponto de vista estritamente acadêmico. Foi um tradutor que refletiu, intensamente, sobre seu ofício. Nunca teve a sofisticação de um embasamento teórico mais profundo. Teve, sim, como base, uma profunda erudição literária e a experiência de uma vida dedicada à tradução, aos livros e ao estudo de línguas (várias, aliás).
O título, portanto, foi a tradução perfeita da relação entre o conteúdo da obra e seu autor. O enfoque é eminentemente prático, claro, indicando a própria visão que o autor tinha de seu ofício. Encarava o trabalho tradutório como algo que se aprendia e se aprimorava na prática. Não tinha fé nas teorias tradutórias concebidas na academia, ou talvez não as conhecesse com a devida profundidade. De qualquer forma, era taxativo a respeito da utilidade das teorias: “Uma das falácias da tradução é a ilusão de poder aprendê-la por tratados. Ora, como organizar um manual da tradução, se esta arte (ou ofício, se querem) escapa a toda sistematização?”. Mas Rónai conferia extrema importância a algo que é de fato fundamental para o tradutor (e que ele tinha de sobra): leitura farta, bagagem cultural.
A tradução vivida, nesses trinta anos de trajetória, foi guia e farol para muitos que se aventuraram por esse ofício incerto — tanto para os que enfrentaram a tradução na prática quanto para os que a estudaram na academia. É livro certo no currículo dos cursos de tradução — mesmo que para apontar seus defeitos e omissões.
A segunda edição traz oito capítulos, oito ensaios sobre aspectos diversos da tradução. Do primeiro ao último ensaio, o texto é salpicado de exemplos de traduções, boas e más. O aspecto prático é sempre privilegiado, sem deixar de tocar nos pontos que assombram as teorias da tradução de todas as épocas: ambigüidade, fidelidade, (im)possibilidade da tradução poética, problemática da equivalência semântica. Capítulo especialmente curioso é dedicado aos “recursos complementares da linguagem”, ou seja, aquilo que, mesmo sem ser palavra, é peça importante da literatura. Fala de coisas como sinais de pontuação, maiúsculas e minúsculas, nomes próprios, e até dos tipos de letras — tudo o que, além das palavras, carrega o texto de sentido.
Rónai foi, acima de tudo, tradutor. Traduziu muito, e bem. Não teorizou, e desprezava, de certo modo, a teorização que se fazia na época sobre tradução. Mas deixou, para tradutores, estudantes e estudiosos, uma massa de texto e informação que servirá de base para não sei quantas teses, ensaios, livros e, quem sabe, outras tantas teorias.