O possível uso do método na tradução da poesia

Quanto de técnica e quanto de inspiração e criatividade existem na tradução de poesia? Quando de cérebro e quanto de coração?
01/11/2006

Quanto de técnica e quanto de inspiração e criatividade existem na tradução de poesia? Quando de cérebro e quanto de coração? É interessante examinar a possibilidade de uso do método na tradução, especialmente na tradução literária, e mais ainda na tradução da poesia. Haveria algum método minimamente confiável? Um método universal? Ou, pelo menos, métodos específicos para casos específicos?

Elementos interessantes para esse debate se encontram na análise da tradução para o português de um poema de Alain Chevrier, intitulado Mots tirés d’un chapeau, publicada no Suplemento Literário de Minas Gerais (maio de 2006).

A tradução da poesia está muito associada a um processo em que a recriação desempenha papel fundamental. Na tradução do poema de Chevrier, realizada por Augustin Tugny e Vera Casa Nova, chama a atenção o grau de mecanicidade. A “máquina de tradução poética” aplicada, segundo os próprios tradutores, utilizou sete operações: (1) recepção do poema original; (2) tradução segundo o significado de cada palavra; (3) tradução segundo a musicalidade de cada palavra e do poema; (4) recepção do poema com as definições das palavras em francês; (5) procura no Aurélio das palavras formadas pelas letras da palavra “chapéu”; (6) escolha das palavras encontradas em dicionário suscetíveis de corresponder, por significado ou musicalidade, às palavras do poema original; (7) definição das palavras escolhidas para a tradução do poema.

A tradução é tudo o que não se pode fazer com a máquina. Mesmo assim, a máquina pode ajudar, e muito, no processo de tradução. Não se pode pensar em usar um tradutor eletrônico para passar um poema do francês ao português. Mas o computador, ao que parece, foi fundamental no processo de tradução operado por Tugny e Casa Nova. Não falo, claro, do mero uso do computador para escrever. Imagino que a operação 5, por exemplo, tenha sido realizado em versão eletrônica do Aurélio.

Seja como for, é rara a descrição em detalhe da operação tradutória de um poema. Trata-se, é certo, de um poema não convencional, formado por palavras soltas e, talvez por isso, mais adequado a certo grau de mecanização. O exemplo, porém, não deixa de ser notável pela demonstração dos benefícios do método num trabalho de tradução. Não se pode fazer tradução apenas com método, mas também não se podem desconsiderar as vantagens que tal ferramenta pode agregar ao processo.

A composição, ou a tradução, de um poema é um processo complexo, no qual intervém um número dificilmente identificável de variáveis. A questão é ter a sensatez para procurar determinar, com um mínimo de método, aquelas variáveis que são mais importantes em cada caso. E, a partir daí, utilizar um critério consistente no tratamento dessas variáveis.

Tugny e Casa Nova, por exemplo, ao determinar que todas as palavras do poema original são formadas com letras tiradas de “chapeau”, emularam o processo no português, usando apenas palavras formadas pelas letras de “chapéu”. As traduções segundo o significado e segundo a musicalidade foram usadas como insumos para o resultado final, sem, contudo, atrelar o poema traduzido às operações parciais. Tratou-se, conforme assinalam os tradutores, de um processo de reinvenção, mas balizado claramente por métodos identificáveis (e até mensuráveis). A criatividade, decididamente, não é a única ferramenta à disposição do poeta-tradutor. Máquinas e dicionários de rimas ajudam bastante.

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

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