Finalizo, aqui, a série de comentários sobre os textos ancilares à tradução para o português do Fausto de Goethe, empreendida pela brasileira Jenny Klabin Segall. Trato, especificamente, do posfácio de Sérgio Buarque de Holanda constante da 5ª edição da Itatiaia, de 2002.
Buarque de Holanda comenta, em seu posfácio, uma questão crucial na tradução de poesia: manter a forma versificada ou optar pela versão em prosa? Manifestando-se francamente pela primeira alternativa, o sociólogo argumenta que justamente “a condição básica de toda tradução, fiel está em conservar-se fiel a essa coerência íntima, e de fato indissolúvel, que há entre o que um texto exprime e o como o exprime”. Rejeita, portanto, o argumento contrário, que indica a conveniência de traduzir a poesia na “linguagem talvez mais maneável da prosa”, em benefício de uma suposta “fidelidade absoluta”.
O autor do posfácio se esmera em defender a indivisibilidade do binômio forma-conteúdo em poesia e, portanto, a importância de buscar preservá-lo na tradução: “numa obra de poesia a ‘forma’ é verdadeiramente a expressão do ‘conteúdo’ e este o sentido da forma”.
Buarque de Holanda também aponta que o próprio Goethe não cogitaria traduzir poesia em prosa, porque, segundo o sociólogo e historiador brasileiro, acreditava que a tradução de um poema, para ser “razoavelmente fiel”, teria de ser realizada em verso. Argumenta que o poeta alemão preferia abandonar o trabalho de tradução se avaliasse não conseguir trasladar com fidelidade o original em verso. Exemplifica que Goethe “o fez no caso do Conte di Carmagnola, embora sem deixar de admitir que a tragédia manzoniana era mais traduzível talvez do que os poemas de Byron”.
Ainda sobre as questões gerais da tradução de poesia, Buarque de Holanda identifica duas estratégias distintas que podem ser seguidas pelo tradutor, partindo-se do princípio de que o novo texto será transcrito em verso. A primeira seria ater-se aos “aspectos formais do texto, inclusive ritmo e metro”; a segunda implicaria adaptar o ritmo do verso original às idiossincrasias do tradutor, “segundo o gênio e as convenções familiares da língua da tradução”.
O autor do posfácio não disfarça sua predileção pela primeira alternativa, que considera mais trabalhosa e, podemos supor, mais fiel. Entende Buarque de Holanda que a tradutora Klabin Segall optou justamente por essa estratégia. E que o fez com elevado rigor: “Sua concepção de fidelidade e honestidade na interpretação da obra original é admiravelmente absolutista e intolerante”.
O sociólogo destaca também, no trabalho de Klabin Segall, a obstinação da tradutora em buscar continuamente uma melhor versão do original. Argumentando que “a aproximação entre qualquer tradução e o texto nunca poderá ser definitiva e sempre há de comportar várias gradações”, Buarque de Holanda nota que a tradutora brasileira empreendeu esforço gigantesco na revisão de sua versão do Fausto para a segunda edição, publicada em 1949: “Não há quase página em que as margens e entrelinhas não tenham ficado marcadas por sua impaciência de alcançar aquele ideal de exatidão”.
O autor do posfácio aponta, no tocante a esse trabalho de revisão da tradução, que Klabin Segall revela grande meticulosidade e atenção aos detalhes: “Em alguns casos, como no do colóquio entre os arcanjos, do Prólogo no Céu, as modificações atingem praticamente todos os versos”.
A avaliação de Buarque de Holanda sobre essa tradução do Fausto é sumamente positiva. Resumindo, considera que a tradutora persistiu no intento de “aprofundar-se sempre mais no espírito do autor”, mantendo, ao mesmo tempo, firme “ambição de melhor respeitar o texto”. Conjugação de ações e qualidades que costuma perfazer uma boa tradução.