Em busca da máquina de traduzir

Afinal, é ou não possível traduzir automaticamente? No Brasil, pouco se escreveu e pouco se escreve sobre o tema, pelo menos entre tradutores
01/05/2001

Afinal, é ou não possível traduzir automaticamente? No Brasil, pouco se escreveu e pouco se escreve sobre o tema, pelo menos entre tradutores. Lembro-me de dois que se arriscaram: Paulo Rónai e Geir Campos. Aqui, presto homenagem a eles. Abaixo, me arrisco também.

A busca da máquina de traduzir empolgou mentes acadêmicas entre meados de 1950 e meados de 1960, especialmente nos Estados Unidos, mas também na União Soviética, na Inglaterra e na França. Na época, anos de tensão na Guerra Fria, o sonho da máquina de traduzir atraía interesses não só lingüísticos, mas também estratégico-militares. Foi o sonho de uma geração de lingüistas e estrategistas.

Deu em nada? Não. Hoje qualquer um que tenha algumas dezenas de dólares pode comprar tradutores eletrônicos — na forma de programas de computador ou máquinas portáteis, que lêem palavras e as traduzem. O avanço que se fez na área não é nada desprezível. Mas ficou muito aquém do que inicialmente se esperava.

Em meados de 1950, pesos pesados da academia americana, como o prestigioso MIT (Massachusetts Institute of Technology), passaram a investir em lingüística e em pesquisas sobre máquinas de traduzir. Estimulados por fartas verbas do governo americano, nomes importantes da lingüística, como William Nash Locke e Sydney Lamb, propuseram-se estudar o assunto.

O fracasso parcial dessas pesquisas foi um duro baque para as teorias tradicionais de tradução, baseadas na transferência de significados estáveis de uma língua a outra. A coisa simplesmente não funcionou a contento. Não se conseguiram produzir textos com nível mínimo de qualidade. O texto chegava inexoravelmente truncado e repleto de trechos incompreensíveis. O computador não conseguia contornar as armadilhas da tradução.

Quem usa hoje os tradutores automáticos — disponíveis não apenas em lojas de informática, mas na internet — percebe claramente esses empecilhos. São instrumentos úteis apenas em casos de textos extremamente simples ou para quem despreza mesmo um mínimo de qualidade no texto final.

Mas o sonho não acabou. Muitas universidades americanas ainda mantêm centros de pesquisa em tradução automática. Se perderam as primeiras batalhas, não desistiram da guerra. Um dos nós da questão, me parece, é construir uma máquina que consiga fazer com competência a análise sintática do texto a traduzir. Dominada a sintaxe, o caminho estaria aberto a uma tradução mais razoável. Porém nem isso se alcançou ainda. Aliás, nem se sabe ao certo se é uma meta viável, tamanha a complexidade da questão (quem não se lembra das aulas de análise sintática do ginásio?).

Depois da sintaxe, restariam outros nós. Um deles, certamente, o contexto, o ambiente sociocultural que envolve o texto. Seria um nó ainda mais difícil de desatar. Talvez uma empreitada acima da capacidade de qualquer máquina atual. Uma boa máquina de traduzir teria de pesquisar muito, consultar fontes (bibliográficas ou humanas), experimentar uma infinidade de possibilidades contextuais. Teria de … pensar. Nada menos que isso: pensar.

A máquina de traduzir, enfim, é uma pesquisa que tem de andar lado a lado com esta outra: inteligência artificial. Ponto a favor do tradutor, que, numa tradução bem simples, poderia ser chamado de “pensador”. A máquina de traduzir, para merecer esse nome, seria uma máquina de pensar.

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

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