Como criar um estilo para a tradução

Existe estilo de traduzir? Pode um tradutor criar um estilo próprio, marcando como sua uma série de textos traduzidos, independentemente do estilo do autor do original?
01/11/2009

Existe estilo de traduzir? Pode um tradutor criar um estilo próprio, marcando como sua uma série de textos traduzidos, independentemente do estilo do autor do original? É dessas perguntas que dão pano para manga. A resposta afirmativa a essa pergunta será talvez o sonho de todo tradutor: impor-se como “grife” no campo da tradução literária.

Alguns poucos tradutores podem conseguir destacar-se como criadores de um estilo próprio. Não se trata somente de firmar-se como bom tradutor de literatura, requerido pelas editoras e reconhecido pelo público. Trata-se de criar um verdadeiro estilo literário, com o fazem os bons escritores. Não basta escrever bem, é preciso escrever com estilo. Substitua-se o verbo “escrever” por “traduzir”. É isso. É simples, mas trabalhoso.

O tradutor com “estilo” agrega sua marca à marca do autor do original, compondo uma obra mais que única. Uma obra irreproduzível, mesmo noutra boa tradução.

O que exatamente poderia constituir um “estilo” de traduzir? Basicamente, o que compõe o “estilo” de qualquer texto, literário ou não. Estilo constrói-se com a formação de padrões identificáveis e repetíveis ao longo do texto. São vários os elementos que o podem compor: sistematismos, ritmos, rimas, uso de neologismos, adjetivação, sintetismo, uso de figuras de linguagem características, opção pelo uso (ou economia) de pronomes e artigos, uso de tempos verbais específicos, etc. Isso sem falar nas características próprias da tradução mesma: naturalização, estrangeirização, literalidade, etc.

Não é fácil construir um estilo. Exige disciplina, concentração, perseverança. Definir um sistematismo, por exemplo. A utilização sistemática de determinadas construções sintáticas (uso de coordenadas ou subordinadas, alongamento de orações ou uso de frases curtas, definição de método próprio de pontuação) dá um colorido todo especial ao texto. É um processo de construção textual, que, bebendo do original, o redefine e produz um livro novo: tradução com marca.

Definir a “economia” do texto é ponto-chave. Um texto se pode traduzir (pelo menos para o português, que tem lá o seu lado sintético) com pronomes e artigos em abundância, ou com a racionalização desses elementos. Usá-los no limite da necessidade. Quando absolutamente necessários para o entendimento, ou para evitar ambigüidades indesejadas (pois há as que são deliberadas).

A pontuação desempenha um papel todo especial. Um estilo se constrói com pontos e vírgulas. Ou sem eles. Há autores (e por que não tradutores?) que passam bem sem eles, ou com ração bem limitada. Há os que transformam pontos em vírgulas, há os que quase dispensam as vírgulas. Há os que usam travessões e ponto-e-vírgulas, dando um ritmo diferenciado (e certo colorido próprio) ao texto.

O recurso a neologismos — às vezes quase incontornáveis numa tradução — também pode definir um estilo único. O neologismo pode ser uma necessidade ocasional, ou pode tornar-se um estilo — a habilidade do tradutor decidirá o “gosto” (duvidoso ou saboroso) desse estilo.

Não há de agradar a todos, certamente, essa coisa de sair criando estilos na tradução. Há os que preferem, sempre, a tradução mais submissa, como se tal fora de fato possível. Ocorre que ao tradutor profissional, aquele que depende do ofício, não há às vezes escolha: é criar sua marca ou desaparecer. Sumir do mapa das editoras e cair no olvido (dos leitores).

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

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