A Biblioteca infinita é o mundo todo e o universo. Ali se juntaram todos os textos reunidos numa espécie de repositório universal. Incomensurável armazém de livros. Contém tudo o que se escreveu, tudo o que poderia ter sido escrito, tudo o que se poderá escrever. Tudo o que se pode expressar em palavras, em quaisquer palavras. Tudo o que se pode dizer em qualquer língua, naquelas que já não existem e nem se compreendem mais; e nas que ainda serão um dia criadas.
Já tratei aqui desse tema, mais de uma vez. A biblioteca universal, ou infinita. Quine e outros trataram disso. Também o fez Jorge Luis Borges, em seu conto A biblioteca de Babel.
O sonho de todo amante de livros. Arquivo de todas as possibilidades. Coleção de todos os textos. E de todas as suas traduções possíveis a todas as línguas — presentes, pretéritas e futuras. Talvez também a todas as línguas inventadas e imagináveis.
A Biblioteca de Borges é formada por uma pletora de hexágonos, quatro lados de cada qual cobertos de estantes de livros. O número de hexágonos é indefinido, mas considerado por muitos infinito. Enche o mundo e a imaginação dos habitantes da Biblioteca.
Os livros contêm textos indecifráveis, muitas vezes sequer legíveis. Motivo de tantas controvérsias e de disputas, algumas cruentas. Movimentos milenaristas, reformas, contrarreformas e todo tipo de heresias. Mas nada ali parece canônico. A Biblioteca é Babel e, como o nome sugere, é causa de toda confusão. Traz a discórdia em sua multiplicidade de livros e línguas. Quase tudo ali é incompreensível.
Mas a esperança é também infinita. Sabe-se, com toda a certeza, que tudo está ali guardado. Todos os livros de todas as eras, inclusive aqueles que já foram perdidos e esquecidos. Os livros dos quais só restaram menções em outros livros, e esses também. Todos os livros e suas falsificações. Todas as doutrinas e todas as suas variações.
Falta organização. As lombadas não indicam o conteúdo de cada livro. Os hexágonos e suas estantes não sugerem nenhuma distribuição racional. Tudo parece feito para confundir. Babel em sua expressão máxima. Tudo parece perfeito para provocar uma busca eterna e desesperançada, mesmo que inadiável. A Biblioteca é feita para isso: todos procuram um livro específico, algo que julgam perdido e que precisa ser achado. Algo que faça sentido e lhes dê sentido à vida.
Talvez não deixe de ter certa razão quem diz que os livros não têm sentido deliberado. Parte dos livros é mera sequência repetitiva ou aleatória de caracteres. E se a Biblioteca é mesmo infinita, essa parte talvez seja também infinita, o que, em quadro caótico, parece tornar inglória a busca de livros que tenham algum significado.
A vida ali é uma eterna busca e uma eterna discussão sobre os livros e sobre a natureza da Biblioteca. Todos são bibliotecários. Prolifera todo tipo de crenças. Inclusive aquela que preconiza a destruição dos livros inúteis e, possivelmente, dos textos que desafiam supostas verdades. Foram inúmeros os livros destruídos, mas sequer isso significou redução do acervo, que contaria com infinitas cópias iguais ou quase iguais de cada um de seus livros.
Os livros são motivo de todas as paixões, e a razão da própria vida é procurar decifrá-los. O que falta, de fato, é a tradução. Não que faltem versões de todos os livros para todas as línguas, pois isso já vimos que existe e em infinita abundância. Falta a tradução — a interpretação, mesmo que inexata — do sentido de cada livro. A tradução representaria a ordem. A luz que projeta sentido na desordem. Esperança de compreensão. Uma elegante esperança, que acalenta. O tradutor virá um dia.