Lendo jornal em Curitiba outro dia, chamou-me a atenção certa notícia sobre uma lista de palavras de tradução difícil. A lista foi montada a partir de informações fornecidas por tradutores, por gente que de fato se depara com as dificuldades do ofício. Nossa “saudade” aparecia bem colocada, em sétimo lugar, se não me engano. Na lista, figuravam também palavras de definição quilométrica, que exigem longas paráfrases — e bons dicionários à mão.
“Saudade”, contudo, não me parece palavra assim tão difícil de traduzir. Pode-se pensar em mais de uma opção para traduzi-la para o inglês, por exemplo. Menos fácil será, sempre, traduzir os entornos da palavra, e especialmente sua carga afetiva e emocional.
Mas o principal problema da tradução não está em traduzir palavras isoladamente, por maiores que sejam as dificuldades impostas por vocábulos específicos. O grande mistério da tradução persiste nas dificuldades de verter conjuntos de palavras mais ou menos longos, com a preocupação de recriar associações, provocar impressões estéticas, excitar emoções.
Listas de “palavras difíceis” são o lado curioso da tradução, mas não tocam em sua parte mais áspera e árida. A harmonia do conjunto é, especialmente na obra literária, um dos principais alvos a alcançar. A obra literária não existe para transmitir significados, mas para atiçar sentimentos. Preocupar-se demasiadamente com a transferência de significados pode ser o caminho mais curto para o túmulo da tradução. O tecnicismo tradutório pode servir para a tradução de obras de caráter acadêmico, ou técnico, mas será desastroso na versão da literatura de ficção.
O bom tradutor, geralmente, é aquele que apreende os textos em conjuntos: em frases e parágrafos. A recriação parece exigir certo distanciamento do original, que, próximo demais, pode embotar a leveza e a fluidez do texto traduzido. Horácio recomendava ao “tradutor fiel” que não se preocupasse em traduzir palavra por palavra, mas sentido por sentido. Talvez se devesse ir além disso, aconselhando que não se traduza sequer sentido por sentido, mas conjunto estético por conjunto estético. A amplitude de subjetividade tenderá a aumentar, sem dúvida, mas o resultado, para o leitor, poderá ser mais prazeroso.
Ao traduzir um texto qualquer, deve-se procurar compreender a função que esse texto tem que desempenhar. A obra literária existe para entreter e divertir, para chocar e fazer sonhar — sem desprezar outras funções da literatura (como a formação de consciência política e social, por exemplo). O tecnicismo tradutório, e preocupações exageradas com palavras específicas, tendem a gerar textos menos instigantes do que deve ser a literatura.
Na base da literatura está o desejo de viajar sem sair do lugar. É uma boa fuga, sem efeitos colaterais. Dizia Santo Agostinho que a tradução literal, ou tecnicista, tem o potencial de irritar o leitor — justamente por deixar de lado a visão do todo, ou a visão do belo.
Traduzir, por mais dificuldades que tragam determinadas palavras “enjoadas”, continuará sendo uma questão de buscar transmitir blocos de pensamentos — e blocos que tragam em si certa unidade e harmonia, que provoquem sentimentos de prazer, indignação, ou outra emoção qualquer. Não vale matar o leitor de raiva com texto truncado nem deixar, no movimento do virar a página, o gosto asséptico do insosso.