A tradução — qualquer tradução, em especial a literária — tende a ser uma operação demasiado complexa para restringir-se à transação entre duas línguas. Há sempre algo a mais, novos elementos, a intervir no processo. Outras línguas, sujeitos vários. Há sempre outra dimensão a considerar.
O francês Antoine Berman, em sua obra A tradução e a letra ou o albergue longínquo (traduzido do francês ao português por Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini), comentava — com base em reflexões de autores diversos, como François-René de Chateaubriand e Mallarmé — que na operação tradutória sempre interferiria pelo menos uma terceira língua. Espécie de língua mediadora. Plataforma que abriria ao tradutor um campo mais vasto de comparação e uma perspectiva a partir da qual construir o texto novo.
Seria o nível intermediário ao qual se projetaria o original em sua trajetória descendente e deturpadora (ou depuradora?) rumo à tradução. Original e tradução representariam polos opostos, mediados por um interstício linguístico que lhes serviria de escala de viagem (para o original) e fonte de inspiração (para a tradução).
No dizer de Berman, sempre mediado pela tradução, “Se a escrita literária se estende no horizonte de uma outra língua hierarquicamente superior, ao mesmo tempo origem e duplo ideal da língua materna, a do tradutor se estende no horizonte de uma terceira língua que ocupa também a posição de língua-rainha”.
Para o tradutor, então, a terceira língua seria essa espécie de “língua-rainha”, aquela que torna possível verter a expressão de um idioma a outro. Há um sentido literal da terceira língua, mas também há um sentido mais subjetivo. No primeiro, a terceira língua — idioma mediador — funciona como a plataforma mencionada acima, servindo como patamar intermediário entre a língua da produção original e a língua da produção secundária. No segundo, figurado, a terceira língua representa uma espécie de matriz, à qual podem recorrer — e onde podem se encontrar, inclusive para efeitos comparativos — as duas pontas da tradução.
Daí, segundo Berman, decorreria o “polilinguismo” da tradução e do próprio tradutor. A imposição, pelos sistemas linguísticos, da passagem necessária por uma terceira língua — outra vez, em sentido literal ou alegórico; e a necessidade que tem o tradutor de jogar pelo menos com esses três idiomas. O tradutor como politradutor, ou seja, aquele que vive e trabalha com línguas diversas, que por vezes em muito superam numericamente o par mínimo.
Para o teórico francês, a tradução talvez sequer fosse possível — pensada como processo de produção de texto superior, refinado — se prescindisse da intervenção tácita desse terceiro elemento, como terraço mediador. Terraço esse que franquearia acesso a uma esfera de criação de um texto novo, inclusive por não depender necessariamente de nenhum dos dois polos da tradução.
Na reconstrução que faz da reflexão de Mallarmé, Berman aponta que a “língua-rainha” — a terceira língua, esfera de inspiração — seria como uma espécie de idioma ideal (no qual o próprio Verbo se exprimiria?), uma língua sonhada, que representaria a concretude da verdade. Pensamento forte, de repercussões longínquas