Uma das questões importantes de quem pensa a tradução é especular sobre seus limites — lingüísticos, técnicos, éticos. Um desses limites é a capacidade, ou pelo menos a possibilidade, que a tradução poderia ter de melhorar o original. Seria possível, ou, do ponto de vista ético, conveniente?
Não foram poucos os tradutores, escritores, críticos e ensaístas que meditaram o problema. Um pensamento de Walter Benjamim parece nortear toda a discussão possível. Para o intelectual alemão, a tradução, por melhor que seja, nada pode significar para o original. Claro, o original não se altera com a tradução. O texto daquele permanece imodificado, qualquer que seja a tradução que dele se faça.
É uma maneira interessante de enxergar a questão — não certamente a única. Não parece absurdo considerar que a tradução pode lançar novas luzes e estabelecer novas formas de leitura para o original. Pode, por exemplo, resgatar significados perdidos ou esquecidos (caso, por exemplo, de textos antigos). Pode animar novas e criativas interpretações.
A tradução nada significaria para o original, mas pode ter impacto significativo na leitura desse original. Mas poderia melhorá-lo? No mínimo, poderia melhorar a forma de apreciá-lo — facilitar, no bom sentido, sua leitura. Realçar, em termos estético-literários, suas qualidades. Incrementar suas potencialidades. Aquilo que o próprio autor gostaria de ver em seu texto.
Não são poucos os que desprezam essa possibilidade, ou que a consideram uma espécie de agressão ao texto original (ou a seu autor). Helena Parente Cunha adverte o tradutor do risco de ceder à “secreta vaidade” de melhorar o original. E a tentação é grande, por força dessa característica tão humana que é a de tentar aperfeiçoar aquilo em que se trabalha.
Brenno Silveira é taxativo ao negar ao tradutor o direito de pretender melhorar o estilo do autor (e, conseqüentemente, a qualidade do original). Tatiana Belinski, em prefácio para A arte de traduzir (de Silveira), é ainda mais veemente que o mestre: melhorar o texto original? “Isso nunca!” (Por maior que seja a tentação!)
Há muita racionalidade nesse respeito quase reverencial pelo original. É uma forma de valorizar não apenas o texto, mas a semente ali plantada pelo autor. É o devido respeito pela criação intelectual. A criação derivada deveria, por essa ótica, ter absoluta consideração pela criação original.
Outros — e sempre há os outros — pensam diferente. Às vezes com diferença bem marcada. O poeta e tradutor checo Bohumil Mathesius é iconoclasta: defende que o tradutor precisa violentar o autor, ou quem sabe ajudá-lo: “O melhor tradutor é aquele que traduz somente o título da obra original”. O crítico canadense Alberto Manguel, menos incisivo, acha que a tradução (que considera “outra obra”) pode muito bem melhorar o texto original. O francês Paul Valéry, embora não o explicite, indica ser possível melhorar o original, ao ponderar que “uma vez publicado, um texto é como uma máquina que qualquer um pode usar à sua vontade e de acordo com seus meios: não é evidente que o construtor a use melhor que os outros”.
Pode-se pensar, por outro lado, que o que se pode melhorar numa tradução não é, de fato, o original. Como propõe Benjamin, a tradução nada significa para o original. O que se pode melhorar, sempre, é a mesma tradução. A forma de apresentar o bom e velho original.