A arte de traduzir: retorno de um clássico

Cinqüenta anos depois, volta às livrarias um clássico brasileiro sobre o ofício tradutório. A arte de traduzir (Melhoramentos/Editora Unesp, 2004), de Brenno Silveira
01/05/2005

Cinqüenta anos depois, volta às livrarias um clássico brasileiro sobre o ofício tradutório. A arte de traduzir (Melhoramentos/Editora Unesp, 2004), de Brenno Silveira, publicado originalmente em 1954, é um documento sobre uma certa visão da tradução literária. É obra datada, não resta dúvida, mas nem por isso merece menos a atenção do leitor.

Em tom de proximidade, tratando o leitor por você, Silveira oferece, como ele mesmo diz, sugestões sobre como se deve e como não se deve traduzir. A pretensão de “manual” de tradução perpassa a obra. Traz, também, reflexões sobre o ofício, mas, acima de tudo, tenciona servir como obra de referência para tradutores.

A parte mais robusta do livro contém exemplos de traduções boas e ruins — principalmente ruins. Evidentemente foi resultado de profundo trabalho de pesquisa de Brenno Silveira. Didático, o autor-tradutor apresenta — muitas vezes lado a lado — o texto original, a “tradução incorreta” e a “tradução correta” (do próprio Silveira). A comparação é às vezes prejudicada por um excesso de erros de digitação no texto original, mas não deixa de ser útil, e não raras vezes é bastante interessante pelas peculiaridades que expõe. Com um pouco de imaginação, vê-se o próprio processo de produção de uma tradução, com suas múltiplas dificuldades.

Silveira registra traduções do espanhol, do italiano e do francês, mas, principalmente, do inglês. A tradução da língua inglesa, de fato, é o foco principal. O autor dedica capítulos inteiros, por exemplo, à linguagem dos vaqueiros do Oeste dos EUA, ao inglês falado pelo “homem da rua” e à formação de novas palavras no inglês americano. São trechos extremamente datados, claro, que hoje funcionam mais como testemunho de uma época do que como subsídio para o tradutor.

A arte de traduzir, como obra de consulta que pretende ser, traz ainda listas de falsos cognatos, apêndice sobre tradução de provérbios, orientações sobre a parte gráfica da tradução e até dicas sobre fontes de consulta. Trata-se, pelo tipo de informação oferecida, de obra voltada para aqueles que se iniciam no ofício da tradução.

No plano da reflexão a respeito do ato tradutório, Silveira revela-se profundamente conservador. Um conservador de pouca ou nenhuma concessão. Para ele, o bom tradutor “deverá repetir em sua própria língua exatamente o que o autor escreveu”. A ênfase recai quase sempre no aspecto imitativo da tradução, raramente no aspecto criativo.

Leal à tradição, Silveira reforça a necessidade da fidelidade ao original como pedra de toque da tradução: “O tradutor não é co-autor; é, simplesmente, humildemente, tradutor. Tem, antes de mais nada, de ser fiel — o mais fiel possível — tanto diante das idéias como diante do estilo do autor”.

Faz falta, talvez, uma reflexão mais refinada sobre o processo tradutório e o papel que nele se reserva à criatividade. Falta, também, o exame de traduções de alto nível. Seria mais didático brindar o leitor com exemplos do engenho do tradutor na superação de obstáculos complexos, examinando e pensando as ciladas, as alternativas as soluções inspiradas.

Não deixa de ser obra fundamental, contudo. Talvez uma das primeiras no Brasil a dedicar-se, de forma sistematizada, ao fenômeno da tradução literária. Um marco inequívoco, um guia certamente para gerações de tradutores. Outro sinal, também, de que o mercado editorial parece voltar-se hoje com mais simpatia para o campo da tradução.

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

Rascunho