Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância.
Mario Quintana
Nunca mais o vi. Por onde andará? Quando me estendia a mão, alegrava-me. Compartilhávamos a infância debaixo daquela árvore (ainda existirá?) no pátio de chão batido da escola que nos acolhia, sem nos garantir qualquer futuro. A algazarra do recreio corria ansiosa à espera do sinal que nos levaria de volta à sala de aula. Dividíamos silêncios a mastigar lentamente o lanche que ele trouxera e me entregava com sua mão magra de dedos pontiagudos. Éramos crianças magricelas e silenciosas. Desconfiávamos muito das adiposas e falantes. Para nós, a amizade tinha gosto de pão com manteiga. E quietude.
Não lembro quando nos encontramos pela primeira vez. Não lembro seu sobrenome. Não lembro quando nos separamos. Quando nossas vidas se dividiram, bifurcaram-se. Lembro pouco daquele tempo em que tínhamos sete anos de vida e C. nos parecia apenas um espaço lúdico em que empurrar carrinhos, chutar bolas murchas e esconder-se da mãe nos salvariam de qualquer tragédia. Mas recordo-me muito bem da mão a entregar-me o pão com manteiga, os dentes saltados a deformar o lábio superior, como se desejasse dilacerar o reduzido mundo que nos envolvia.
Éramos tímidos e nos parecia uma tortura a obrigação de cantar o hino nacional antes de entrar em sala de aula. Manhãs que se iniciavam ruidosas a espantar pássaros sonolentos. Nossas vozes esganiçadas desnudavam a timidez que nos protegia, colocavam-nos no centro de um universo em que queríamos apenas existir — sem ser notados, sem ser importunados. Mas nas sombras que inventamos, dividíamos o olhar curioso em direção aos peitinhos que começavam a roçar a camiseta de algumas meninas no pelotão pátrio diante da bandeira que subia o mastro. Vivíamos o nosso mundo.
Quando o sinal — um grito desesperado — invadia os corredores da Ângelo Trevisan, deixávamos a horda rumar afoita sem direção. Baratas em busca do bueiro predileto. Não falávamos nada: caminhávamos para a sombra. A árvore sempre estava lá. Ele abria a lancheira e retirava o pão com manteiga; às vezes, um pedaço de bolo. Estendia-me. Os gestos lentos indiferentes à inquietude que nos cercava. Aos outros, éramos sem vida: dois insignificantes arbustos sob uma árvore. Vegetais à espera da chuva e do sol.
De volta à sala de aula, fome saciada, ele ensinava-me os caminhos das cores. Não me deixava perder pela barafunda cromática que a um daltônico é o inferno. O inferno do daltônico esconde-se em grandes caixas de lápis de cor. Nunca me deixou pintar o mar de vermelho, o céu de roxo, o cachorro de alaranjado ou a árvore de marrom. Protegia-me dos olhos zombeteiros daquelas crianças que não sabiam do meu daltonismo. Eu tampouco sabia. Imaginava-me um estúpido protegido por um menino dentuço. Sentia-me menos frágil, enquanto contornava de preto os desenhos sobre a carteira compartilhada pelo amigo silencioso.
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Nestes 30 anos, passei algumas vezes diante da escola. Agora, um muro alto a protege dos habitantes desta C. de violências e desesperos. Da rua, não é possível divisar se a árvore ainda está lá. Muitas vezes, ensaiei ultrapassar o limite do portão, infiltrar-me pelo passado, identificar-me, contar que dividi segredos com um arbusto no pátio. Poderia vasculhar nos registros daquele 1980 que só existe para mim. Descobrir o seu sobrenome, buscar na internet. Enfim, encontrá-lo. Mas prefiro carregar comigo a lembrança do menino que sempre me estendeu a mão, com seus dedos finos, sorriso proeminente e amoroso silêncio.