Eles chegam cedo. São dois homens atarracados, resistentes. Preparados para o serviço brutal. Descarregam as ferramentas e avançam ruidosos casa adentro. Deixam o carro do outro lado da rua. O dia começa. Sentam-se à mesa. O café com leite numa garrafa térmica vermelha. No armário, escolhem dois copos de vidro. Recusam xícaras. Do pacote de papel engordurado, saltam duas coxinhas de frango. Conversam animadamente sobre banalidades cotidianas. Riem sem nenhuma vergonha. Fazem planos para as horas seguintes. Parecem felizes. Lavam os copos na pia. Pedem licença e iniciam o trabalho. As marretas produzem um berro seco contra os tijolos. Os estilhaços espalham uma névoa de pó pelo ar. Os móveis ganham uma fina crosta invasora. A casa se transforma em outra casa. Eu também não sou mais o mesmo.
Iniciam a demolição pela parede na fronteira da sala com o antigo quarto da mãe. O vazio contornou a casa inexistente. Havia um prego no alto, solitário, agora sem nenhuma função. Antes, a mãe pendurava nele o invólucro plástico com a gosma branca que gotejava sem parar até o buraco na barriga. Com a morte da mãe, o prego perdeu sua função de improvisado restaurante. O sofá também não está mais ali. O tempo levou tudo: mãe, sofá e parede.
A casa está praticamente vazia. Os móveis ainda não chegaram. Bastam a cozinha e um quarto. Ficarão as paredes laterais. O miolo do pão desprezado pela criança birrenta. As pessoas foram embora. Paredes são desnecessárias. A casa perdeu toda a intimidade. Não é mais preciso esconder a mulher com câncer. A morte já a arrastou. É hora de limpar o que sobrou, até que ela (a morte) resolva nos visitar novamente. Ela sempre volta.
À noite, ao fim do primeiro dia de reforma, deparo-me com o início de uma nova casa. Abro a porta da entrada. Acendo a lâmpada da sala. A casa está maior. Aumentara em poucas horas. Perdera muitos tijolos. O entulho está ali. No exato lugar onde encontrei a mãe morta sobre as cobertas numa manhã ensolarada de segunda-feira. Não havia um corpo esquelético surpreendido pela morte na madrugada insone. Havia uma pequena montanha de caliça — tijolos, areia, cal e cimento, transformados em restos à espera da caçamba.
Todos os dias, eles chegam cedo. Já não trazem ferramentas. Marretas, martelos e formões estão no meio da sala. Sentam-se à mesa e dividem o excêntrico café da manhã. São pai e filho. Há alguns dias, fazem parte da minha vida. Cumprimentam-me alegres por volta das oito da manhã. Deixo-os ali, entre os vazios abertos no piso inferior. Subo a escada em caracol até o quarto. O berro seco contra os tijolos me lembra de que alguma coisa mudou em minha vida. À tarde, o filho vai embora. Trabalha até o meio da noite como frentista num posto de combustível às margens da rodovia. Tem um filho de cinco meses. Mostra orgulhoso no celular a foto do menino gordo e saudável.
A vida na casa de concreto foi breve. Menos de um ano. Logo, a mãe morreu. A nova morada ajudou pouco durante o câncer. Não passou de um confortável cárcere de concreto para uma alma penada. As paredes ampararam o esqueleto doente. O espectro vagante pelo piso de lajotas brancas. Escondiam a vergonha da doença. De fora, impossível discernir a mulher e o seu fim.
As paredes nuas — após a reforma — ganharão livros. Milhares de livros. Ficarão coloridas. Uma silenciosa algaravia aprisionada em histórias cujos finais jamais saberemos. Um dia, os livros irão para outro lugar. Eu também. Após a morte da mãe, transformo a casa em outra casa. A casa é um útero seco. E não há feto capaz de preenchê-lo.