Tenho um pouco de medo — ou seria apenas receio? — dos homens ricos: aqueles super bem-sucedidos, que ostentam a ilusória eternidade em ternos de cortes milimétricos, joias a refletir o sol que nem a todos ilumina, dentes de mármore e empáfia fantasmagórica. São capazes de tudo. E, quase sempre, olham-nos com as pupilas do desprezo — algo como se concedessem um afago a um cachorro faminto. Eles estavam sempre ali sob a luz escancarada de um verão ainda a meio caminho. Não conhecia ninguém; ninguém me conhecia. Era um estranho no paraíso que só a eles pertencia. Eu, o intruso, segurava pela mão o passe para aquele mundo destinado apenas aos bem-aventurados, aos bem-nascidos ou aos sortudos (não me encaixo em nenhuma destas categorias sociais): minha pequena filha — uma menina magrela, cabelos lisos e felicidade entranhada nos vincos do corpo em formação.
É tudo muito estranho e, às vezes, beira o nonsense. Pelas torturas da vida, aos sábados pela manhã, tinha de levar minha filha para nadar naquele clube — um espaço para pessoas abastadas, a chamada elite de C. Ela tinha aulas na turma sardinha. Um nome, no mínimo, ridículo. Ou seria outro peixe? Enfim, sentia-me uma espécie de Aquaman suburbano ao levá-la de ônibus para aquelas bandas da cidade. Como tínhamos de pegar dois ônibus, passando por três terminais, em geral, chegávamos esbaforidos, quase atrasados. Numa referência cinematográfica (que M. ainda não entende), eu dizia “corra, M., corra”. Ela corria, nós corríamos, com mochilas a balançar no lombo. Dois burros num agreste sem oásis. Próximos ao clube, disfarçávamos a precariedade em passos ligeiros, como se estivéssemos apenas brincando.
No primeiro sábado, o porteiro nos pediu o número do cadastro de sócio. “Não sou sócio. Apenas minha filha é sócia.” E seguiram explicações sobre um e-mail para liberação. No segundo sábado, o porteiro fez a mesma pergunta. Eu dei a mesma resposta. Novamente, verificou um e-mail enviado pela mãe de M. para liberar nossa entrada. Para entrar no céu, às vezes, não basta rezar: é preciso ter a senha. “Você pode se cadastrar como babá”, a frase do porteiro atravessou as belas árvores laterais à entrada, rodopiou entre os carros de milhões, voluteou pelas encostas onde belas mulheres fofocavam sobre viagens a Paris ou Nova York e encontrou-me sorrindo. “Mas não sou babá; sou pai.” “Eu sei, senhor, mas só temos cadastro de babá.” Diante da minha incredulidade, espanto e, confesso, certa mágoa, o assunto perdeu-se num embaraço mútuo. “Prefiro continuar solicitando a liberação”, disse, enquanto corria com minha sardinha rumo à piscina coberta, aquecida e agradável.
Eles estão sempre no meio do caminho: homens, a maioria velhos, alguns bem velhos, em volta de mesas redondas. Talvez ao fundo, o rei Artur os observe, orgulhoso de seu exército senil. Usariam dentadura e fralda geriátrica? Trajam boas roupas, cabelos penteados para trás (parece que é moda entre eles), conversam animadamente e riem com facilidade — afinal, o mundo lhes pertence, está a seus pés de unhas impecáveis. Noto que nas mesas há sempre muita bebida. Por melhor que seja, é sempre bom fugir um pouco da realidade.
Ao final de um longo corredor estão os vestiários. No meio do caminho, um café, salas de relaxamento, lojas. Percorremos meio ofegantes. No vestiário, há de tudo: toalhas cheirosas, sabonete líquido, xampu, condicionador, secador, sacolas plásticas. Como é bom ser rico: o mundo está sempre à sua mercê. Feito rato feliz no paiol de milho, desfruto de toda comodidade. Afinal, não é todo dia que uma intrusa babá se dá tão bem. Apesar de que há uma ou outra babá por ali. Mas, estranhamente, não parecem tão felizes quanto eu. São umas ingratas: não sabem dar valor ao que o mundo lhes oferece com tanta generosidade. Uma pena que as aulas de natação tenham acabado. Eu já estava me acostumando às benesses impensáveis. A vida realmente não é justa. Mas isso, é claro, não vale para todos.
Deixo M. nadando feito uma sardinha (sardinhas nadam bem?) e vou ao café. A aula é breve, mas suficiente para que eu possa desfrutar daquele inusitado mundo relegado a uma minoria afortunada. Sento-me à janela: é um lugar realmente lindo. O sábado ensolarado ilumina o vasto gramado, uma espécie de tapete impecável, sem irregularidades. Uma beleza a espraiar-se sobre o terreno abençoado por um Deus justo, digno das melhores orações.
(Ouço um sotaque espanhol. Estico os ouvidos. A mulher da limpeza — 50 anos, no máximo — conversa com a atendente. “De onde você é?”, pergunto com interesse. “Do Peru. Estou no Brasil faz algum tempo”, responde com algum incômodo na voz. “E como vão as coisas por aqui?”, pergunto. “Tudo bem. Na verdade, sou fisioterapeuta, mas aqui não consigo trabalho na área”, responde sem esconder uma certa desilusão. Conversamos mais duas ou três frases em espanhol e ela se retira.)
Passo o tempo entre o café com leite e a vastidão verde a minha frente. É um campo de golfe. Nunca joguei golfe. O máximo que me aproximei de um esporte similar foi com bolinhas de gude em direção a um búrico nos fundos de casa na infância transformada num calabouço escuro e frio. Observo com interesse o movimento dos jogadores. São homens de idades distintas: usam roupas brancas e, aparentemente, elegantes. Não entendo nada de golfe. São vários buraquinhos e o jogador precisa acertar a bolinha dentro deles. É um jogo de paciência. Mas estes homens parecem ter muito tempo. O tempo de algumas pessoas escorre de maneira diferente. Noto que um rapaz puxa uma espécie de carrinho com muitos tacos. A cada tacada, o jogador pede um taco diferente. O rapaz entrega. O jogador concentra-se e arremessa a bolinha. A bolinha contrasta com o gramado verde. Acho que vários golfistas podem jogar ao mesmo tempo. São muitos buracos e muitas bolinhas. Talvez seja bom para combater o estresse ficar ali mirando aquele taco nas bolinhas, acertando buracos. Em casa, tenho uma galinha de metal cheia de bolinhas de gude. Roubei do meu filho. Quem sabe, faça uns buracos no terreno baldio ao lado de casa e, com um cabo de vassoura, improvise uma partida de golfe. Tenho certeza de que M. aprovaria minha ideia.
Homens que jogam golfe são mais felizes? Acho que sim. Não tanto pelo golfe, mas pela possibilidade de jogá-lo. Jogar golfe não é para qualquer um. Assim, como ser babá da própria filha também não. Tenho algo em comum com homens que jogam golfe: somos uma minoria.
Após dar banho em M., paramos no parquinho. Ali, muitas crianças, mães, babás e pais (de onde surgiram?) formam uma calorosa algaravia. Deixo M. brincar algum tempo. No caminho de volta, passamos pelos homens no bar. Seguem em animadas conversas. Ali, aparentemente, não há mulheres. Noto que alguns jogadores de golfe descansam à sombra. O sol posiciona-se no meio do mundo. Ilumina com fúria todos nós. Sigo até a portaria. M. segura com delicadeza minha mão. Ao passar pelo porteiro, digo um adeus animado e um tanto irônico. Ao cruzar a fronteira da entrada, digo de supetão “corra, M. corra”. Ela corre balançando o corpo magro e feliz. Eu corro atento ao seu lado pela calçada. Afinal, uma boa babá precisa sempre evitar qualquer descuido.