Quinze dicas preciosas para os novos escritores

Um guia definitivo para ter ou não uma carreira literária de sucesso. E também para não parecer um idiota
Ilustração: Conde Baltazar
30/05/2020

1.
Ao publicar um livro magro de poemas ou contos, afirme que passou seis anos escrevendo e reescrevendo a obra. Ao publicar um romance de 500 páginas, afirme que concluiu a obra em 26 dias, em total estado de transe místico.

2.
Sempre que perguntarem quais foram as tuas grandes influências literárias, cite somente uma. Apenas um obscuro trovador chinês ou indiano do século 16, jamais traduzido para qualquer língua ocidental.

3.
Certos editores tentarão domesticar tua expressão selvagem. Certos editores tentarão transformar tua literatura num esplêndido produto comercial. Não azede nem reclame. Apenas sorria e acene, feito os pinguins de Madagascar. E fuja rapidinho pras montanhas.

4.
Críticos são escritores frustrados — verdade ou mentira? Verdade. E mentira. Os que apoiam nossa literatura são sensibilidades talentosas e iluminadas. Os que repudiam nossa literatura são frustradíssimos protozoários intestinais.

5.
Evite as rixas. Não repudie publicamente aquele textão difamando teu livro. Também não apoie publicamente aquele textão atacando o textão difamador. E não deixe ninguém saber que o autor desses dois textões foi vosmecê.

6.
“Eu envio meus livros pra meus amigos, eles fingem que leem. Meus amigos enviam seus livros pra mim, eu finjo que leio. E continuamos grandes amigos.” A sabedoria imortal de João Ubaldo Ribeiro.

7.
Ilda Ilst. Essa é a pronúncia correta. Não é Rilda Rilst. Não é Rilda Ilst. Não é Ilda Rilst. É Ilda Ilst.

8.
Tenha uma biblioteca grande, muito grande, com todos os gêneros de livro. Reputação é fundamental. As visitas sempre perguntarão: “Nooossaaa, você já leu tuuudooo iiiiiissooo?!”. Diga que sim, que já leu tudo isso três vezes. Incluindo os dicionários. Reputação é fundamental.

9.
Pessoas que jamais leram uma página tua enviarão um original parrudo, pedirão tua atenção total, se possível um parecer por escrito, grátis e minucioso, além do contato de um bom editor. O que fazer? Simplesmente ignorar? E se esse cartapácio for uma obra-prima?! Hein?!?! Heeeiiin?!?!?! (Pausa dramática seguida de uma explosão de riso.)

10.
Aproveito este momento solene pra lembrar que, de acordo com a lacônica descrição apresentada no romance do famigerado autor tcheco, Gregor Samsa se metamorfoseou num besouro, viu? Um besouro! Pare de espalhar fake news sobre barata.

11.
Do mesmo modo que o gato vivo-morto de Schrödinger, Capitu traiu e não traiu Bentinho. Essa é a beleza do romance do Machadão: o princípio da incerteza. A dúvida. Do contrário, Dom Casmurro não seria uma obra-prima.

12.
Se estiver muito a fim de seguir (também) uma carreira acadêmica, não reprima esse vigoroso desejo. Vá para a universidade. Participe de comissões. Redija relatórios. Dirija um departamento. Cerque-se de planilhas, planilhas, planilhas. E na hora certa exploda o campus inteiro. É isso o que os escritores fazem de melhor: explodir instituições-chavões. Faça o mesmo se estiver muito a fim de seguir (também) uma carreira monástica ou política. Exploda templos e partidos.

13.
Quando aquele famoso escritor de 99 anos morrer, não simule tristeza nas redes sociais. Celebre — de verdade! Querido pimpolho, ruim é estar morrendo. Estar morto é maravilhoso. Muito melhor que estar vivo. Uma paaaaaaaaazzz… Mortos não sofrem: não sentem fome nem frio nem tesão. O nada é uma ilha de nadas cercada de nadas por todos os lados. E no centro do nada não há nada. Apenas o maravilhoso silêncio infinito.

 14.
Um glorioso e cabeludo PUTAQUIPARIU. Simples assim: quando o elegante e sofisticado poema que você está parindo estiver ficando respeitoso demais, enfie logo um estimulante PUTAQUIPARIU, que a coisa melhora. Depois volte naturalmente à elegância sofisticada… E mate alguém a pauladas, quando a elegante e sofisticada narrativa que você está parindo estiver ficando respeitosa demais. Um coadjuvante ou um figurante bonzinhos. MORRE, VERME ASQUEROSO! Deixe o sangue espirrar no leitor. Depois volte naturalmente à elegância sofisticada…

15.
Osváldi de Andrade. Essa é a pronúncia correta. Não é Ôsvaldi de Andrade. Não é Osvál de Andrade. Não é Osvaldo de Andrade. É Osváldi de Andrade.

Duas deusas divergentes
A universidade enfraquece a potência artística & literária.

Não cometa o desatino, meu irmão artista, meu irmão escritor, de conviver longamente com a escrita científica, as bancas examinadoras, as reuniões de departamento, as comissões acadêmicas, os relatórios burocráticos, as disputas políticas por bolsas & cargos, as planilhas & as planilhas & as planilhas…

Magister dixit: “Tupi or not tupi, that is the question” (Oswald de Andrade).

No templo da criatividade não é permitido servir a duas deusas divergentes.

Artistas & escritores que também se consagram à vida universitária comprometem sua atividade artística & literária, ou sua atividade acadêmica, ou ambas.

Não existem talentosos artistas ou escritores que também sejam talentosos acadêmicos, e vice-versa.

Vigorosas normas de conduta escoram as sólidas paredes da vida universitária. Normas solenes & necessárias, por isso invencíveis, que vagarosamente aprisionam qualquer manifestação artística ou literária na camisa-de-força do rigor científico, do método metodológico, da régua-e-compasso das circunspectas normas da ABNT.

A vida acadêmica precisa de intelectuais impessoais, respeitosos, tementes às regras de boa conduta. Exatamente o que a vida artística & literária não precisa.

(Abdução análoga acontece na vida política, se você decidiu pertencer a um solene partido político, e na vida monástica, se você decidiu pertencer a uma não menos solene ordem religiosa.)

Querendo ou não, na universidade até mesmo o artista ou o escritor mais dissonantes, mais subversivos, acabam se tornando uma sensibilidade respeitosa, com o passar do tempo. E um artista respeitoso, e um escritor respeitoso — senhores absolutos das planilhas —, é tudo de que qualquer sociedade jamais precisou.

Magister dixit: “Tão estranha é a vida na terra, no mar e no ar” (Paulo Mendes Campos). De novo: “Tão estranha é a vida na terra, no mar e no ar”.

Não existem talentosos artistas ou talentosos escritores que também sejam talentosos acadêmicos, e vice-versa.

Do lado dos escritores, Osman Lins & Haroldo de Campos tentaram quebrar essa maldição e fracassaram. Do lado dos acadêmicos, Roberto Schwarz & Davi Arrigucci Jr. também tentaram e fracassaram.

Quem mais perto chegou de conciliar as duas atividades foi Silviano Santiago. Até que em meados nos anos 90 o acadêmico Silviano Santiago suplantou & começou a asfixiar o escritor Silviano Santiago, roubando parte de sua força.

O temperamento respeitoso domesticou o destemperamento malicioso.

(Antonio Candido nunca foi convencido pelas sedutoras sereias a escrever também poemas, contos e romances. Amarrado firmemente no mastro da teoria, o maior crítico acadêmico brasileiro certamente intuía que uma solene reputação acadêmica sempre enfraquece a dissonância tão necessária na criação literária.)

Leia dez observações de Diego Pansani a este texto.

Nelson de Oliveira

É ficcionista e crítico literário. É autor de Poeira: demônios e maldições e Ódio sustenido, entre outros.

Rascunho