Vargas Llosa e Euclides da Cunha: confluências (7)

Em A guerra do fim do mundo, a crítica de Vargas Llosa aos coronéis e seu mando se expressa sobretudo na figura do Barão de Canabrava
Jorge Mario Pedro Vargas Llosa, autor de “A guerra do fim do mundo”
01/06/2013

Em A guerra do fim do mundo, a crítica de Vargas Llosa aos coronéis e seu mando se expressa sobretudo na figura do Barão de Canabrava. No entanto, este personagem é o único no romance do qual não é feita uma caricatura. É o único que não é visto como fanático. Já discorri sobre isto num ensaio que consta do livro O clarim e a oração: cem anos de Os sertões, que organizei em 2002, republicado recentemente em Vargas Llosa: um Prêmio Nobel em Canudos (Garamond, 2012). Digo, em certo momento do ensaio: “É interessante observar como Vargas Llosa, tratando no romance de vários ‘fanatismos’ através de tipos como o Conselheiro, o Coronel Moreira César e Galileu Gall, dá um espaço importante para um personagem que, em quase todos os momentos em que aparece, é expressão da própria lucidez. Com efeito, é essa a principal característica do Barão de Canabrava — espécie de mentor intelectual dos monarquistas, dono de uma poderosa percepção política e de uma ironia que às vezes beira o cinismo. O Barão emerge na trama como alguém que, sendo também vítima dos fatos (perde a metade de sua riqueza com a guerra e a mulher enlouquece), está acima deles pelo seu equilíbrio/lucidez”. A lucidez política deste personagem de fato destoa do “fanatismo” dos demais. De todo modo, gosto da construção do personagem do Barão de Canabrava. Euclides mostra os dois lados em guerra, os sertanejos e os militares, tem um ângulo próximo aos dos fatos, deixando portanto mostrar o jogo de interesses por trás do conflito. E mais: Euclides encaminha seu relato para a denúncia de um “crime” — aquele cometido pelo exército contra os canudenses. Vargas Llosa entende que a guerra foi um equívoco, que foi uma disputa operada por “fanatismos” — tanto por parte de militares como de sertanejos. Não é à toa que ele põe em seu romance a figura, igualmente fanática, de Galileu Gall, que expressa uma visão da esquerda radical. Vargas Llosa, aqui, embora resgatando uma guerra ocorrida em 1897, tem uma preocupação com a contemporaneidade (seu romance é de 1981), em mostrar os supostos equívocos de uma esquerda brutal, violenta, como a do Sendero Luminoso em seu país, o Peru. Gall expressa, para o autor, um liberal assumido, um “mal” da América Latina — o da esquerda em confronto com a direita no poder, o da esquerda em confronto com os ditadores. Mas o romance, nesse sentido, além de condenar os “fanatismos” de esquerda, também condena os “fanatismos” de direita, as ditaduras militares.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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